segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Recalls crescem, mas adesão ainda é baixa


Uma década e 515 convocações depois, o programa de recalls do país ainda está longe de garantir, de fato, saúde e segurança para os brasileiros. O número de convocações cresceu significativamente nos últimos três anos, concentrando 42% de todos os recalls do período. No entanto, a adesão dos consumidores não acompanhou esse movimento. Em média, 60% atendem ao chamado dos fornecedores para sanar defeitos identificados após os produtos já estarem no mercado. E este percentual, segundo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, é alcançado quando se trata de veículos. Em casos de produtos de menor valor, como alimentos e brinquedos, essa taxa é ainda menor.


Em 2012, o DPDC criou novas regras para garantir a divulgação clara dos riscos a que os cidadãos estão expostos, e obrigar os fabricantes, em caso de baixa adesão, a realizar um novo recall.

— A portaria do DPDC explica em riqueza de detalhes o modelo de recall, o que não seria necessário se o fornecedor compreendesse o que diz o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No Brasil, há uma tendência dos fabricantes de minimizar os riscos para não manchar sua imagem, quando é exatamente o contrário. O fornecedor que faz um recall claro é o que demonstra respeito pelo consumidor, responsabilidade e preocupação com a segurança de seus produtos. Lá fora, as empresas chegam a veicular imagens chocantes com os acidentes que podem decorrer do não atendimento à convocação — diz Mariana Alves Tornero, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A falta de clareza nas convocações levou a Fundação Procon-SP a notificar, no segundo semestre de 2012, três montadoras e uma empresa de cosméticos para que refizessem o recall:
— Existem vários tipos de acidentes que ficam implícitos e isso explica a baixa adesão, que em alguns casos chega só a 10% dos proprietários. A forma como a empresa faz suas convocações deveria ser levadas em conta pelo consumidor na hora da compra. Afinal, isso é pós-venda. Todas as empresas podem ter problema, o que as diferencia é a postura diante do consumidor quando isso acontece. E a pior coisa é esconder o problema — afirma Marcio Marcucci, diretor de Fiscalização do Procon-SP.

Além de regras para tornar os recalls mais claros, Maria Inês Dolcci, coordenadora Institucional da Proteste — Associação de Consumidores, acredita que é preciso trabalhar com a parte penal do CDC nesses casos:
— Se as empresas fossem responsabilizadas na área cível e criminal a história seria diferente. Para isso, no entanto, teríamos que evoluir os bancos de dados de recall para que fosse possível cruzar informações sobre vítimas de acidentes, modelos de veículos e a incidência de recall. Aí, sim, poderíamos responsabilizar criminalmente as montadoras, que ainda são bastante resistentes a fazer a convocação — afirma Maria Inês, lembrando que o setor foi responsável por cerca de 65% das convocações realizadas no ano passado.

Segundo Amaury Martins de Oliva, diretor do DPDC, o banco de dados de recalls já começou a mudar:
— Esse tema, saúde e segurança, não é mais de exclusividade da defesa do consumidor. A articulação com outros órgãos reguladores e a criação de mecanismos de informação conjunta, com Anvisa, Inmetro, ANS, Denatran, fez do tema uma atribuição do Estado como um todo. O novo banco de dados reúne essas informações e permite ao consumidor consultar e se cadastrar para receber os alertas sempre que haja uma nova convocação. Mais do que isso, queremos que as empresas valorizem o atendimento, com planos de contingência que garantam rapidez. Afinal, se o risco é imediato não se pode agendar o reparo para daqui a dois meses.

A intensificação do consumo, aliada à incorporação da cultura do recall ao mercado, devem levar ao aumento das convocações, assim como a diversificação dos setores, diz Oliva:
— Não vou dizer que fico feliz com o aumento de recalls. Mas o problema não é o recall, ele é a solução. Comparado aos números de EUA, União Europeia e Austrália, ainda temos um baixo índice de convocações. Hoje, o setor automobilístico domina as estatísticas, mas a tendência é de crescimento nos setores farmacêutico, de alimentos, cosméticos e brinquedos.

O diretor do DPDC ressalta a importância da participação do consumidor nesse processo:
— É a reclamação à empresa e aos Procons a partida de muitos recalls.


Fonte: O Globo