Estudo feito por
pesquisadores da Unesp de Rio Preto revela uma situação caótica das
nascentes da região de Rio Preto. Em 10 anos, a degradação do meio
ambiente e a falta de políticas públicas para a preservação desses
locais fizeram desaparecer 10 riachos existentes nos três principais
rios do entorno: Grande, Turvo e São José dos Dourados. Não só. Outras
34 nascentes estão com nível de água igual ou inferior a 50% do que foi
coletado em 2003, ano em que a pesquisa foi iniciada pelo programa de
pós-graduação em Biologia Animal da Unesp em Rio Preto - 29 delas estão
agonizando, Apenas três nascentes revisitadas se mantiveram sem
alterações importantes no volume de água e outras sete apresentaram
melhora, ou seja, estavam com mais água do que há 10 anos.
“O que encontramos é bastante alarmante. Mostra que as políticas
públicas não estão dando resultado e que a degradação desses ambientes
está muito acelerada. Em 10 anos perdemos pelo menos 10 nascentes,
outras 29 estão agonizando. Para que elas voltem a ser como antes demora
pelo menos mais 30 anos, caso inicie-se a recuperação da área hoje”,
afirma a doutoranda do Programa de Pós Graduação em Biologia Animal da
Unesp, Jaquelini de Oliveira Zeni.
O volume de água encontrado em nas 54 nascentes revisitadas caiu
73,72% no período, de 1.180 litros por metro amostrado para 310 litros.
“Para conseguir fazer as análises novamente nesses locais, precisamos
mudar a metodologia da pesquisa. Antes nós pegávamos amostras em 75
metros de extensão nas nascentes. Mas no ano passado tivemos que
adaptar. Em alguns locais não tínhamos mais essa extensão, coletávamos
com o que estava disponível”, explica a professora Lilian Casatti,
orientadora do programa de pós-graduação.
Gado e cana
A criação de gado e de cana-de-açúcar nas áreas, que deveriam ser de
preservação permanente (APP), próximas aos rios e nascentes, é a
principal causa do desaparecimento desses cursos d'água. “Infelizmente
muitos produtores rurais não pensam no meio ambiente e só querem saber
de ampliar a margem de lucro. Por um pedaço a mais de terra eles acabam
destruindo um recurso muito importante para a vida e até para as
culturas produtivas”, afirma Jaquelini.
As APP's eram áreas de no mínimo 30 metros em rios de até 10 metros
de largura próximo ao curso d'água, até a aprovação do novo Código
Florestal, em 2012. Essas áreas precisam ser preservadas e cercadas para
que o gado não avance para o leito das nascentes, porém, com a
aprovação do novo Código Florestal, o produtor rural que já mantinha
alguma atividade nessas áreas foi autorizado a manter a cultura já
existente. O novo código também mudou a área das APP’s que variam de
acordo com o município onde estão e do tamanho da propriedade.
“O novo código só beneficiou os interesses econômicos e não o meio
ambiente. Um absurdo. Pois não há nada mais importante para a
preservação dos recursos hídricos do que a manutenção das áreas verdes
nativas. Preservar é muito mais barato e viável do que reflorestar esses
locais”, afirma a professora Lilian Casatti.
Proteção natural
De acordo com a pesquisa, nos locais onde a vegetação nativa foi
mantida ou recuperada, o rio também voltou. “A mata serve como uma
proteção para o curso d'água. Quando chove, por exemplo, a água da
chuva, que desce com força leva muita terra para dentro das nascentes
acelerando o processo de assoreamento. Quando a área está preservada,
com mata nativa, isso não ocorre. A água da chuva é absorvida pelo solo e
ajuda a aumentar o nível de água das nascentes. Outra função da área
verde é evitar a erosão do solo e manter o ambiente equilibrado”, afirma
Casatti.
A professora explica ainda que em caso de reflorestamento é
importante que um engenheiro agrônomo ou um biólogo oriente o plantio
das mudas corretas para essas áreas. “Não adianta plantar qualquer muda,
é necessário que sejam as plantas certas que vão ajudar o solo e
recuperar a nascente”, afirma.
Preocupante
Após classificar o resultado do estudo como preocupante, a
assessoria de imprensa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, afirmou
que atua rigorosamente na aplicação da legislação ambiental, buscando
dar efetividade aos instrumentos nela previstos, aprimorando e
fortalecendo as políticas públicas de proteção ao meio ambiente. Porém,
não elencou nenhuma das atividades realizadas para reverter o fim das
nascentes.
Sobre o estudo, a Secretaria de Meio Ambiente informou ainda que “a
proteção da integridade das matas ciliares, inclusive no entorno de
nascentes, é fundamental para a preservação do meio ambiente e para a
manutenção de serviços ecossistêmicos, em especial o fornecimento de
água em quantidade e qualidade suficientes para o consumo humano, a
regulação do clima e a conservação da biodiversidade”. Como principais
consequências sobre o fim dessas nascentes a nota cita a “falta de água e
consequente degradação das formas de vida associadas à ela, o que
inclui a flora, a fauna e a própria espécie humana”.
Novo Código Ambiental, mais perdas que ganhos
Desde 2012, quando foi aprovado no Senado federal e sancionado pela
presidente Dilma Rousseff o novo Código Florestal ficou mais difícil
fiscalizar e obrigar os produtores rurais a respeitar as Áreas de
Preservação Permanente (APP's) em suas propriedades. O novo Código, de
acordo com o capitão da Polícia Ambiental de Rio Preto, Alessandro
Daleck, foi um verdadeiro retrocesso na questão ambiental.
“Para se ter uma ideia, os produtores rurais que mantinham algum
tipo de cultura nas áreas de preservação antes de 2008, podem continuar
com suas atividades normalmente, sem precisar reservar a área, mesmo que
próximo às nascentes. Já os produtores que sempre respeitaram a
legislação não podem mais mexer nas APP's, ou seja, de certa forma foram
prejudicados com o novo Código”, afirma o capitão.
Menos multas
Ainda de acordo com o capitão da Polícia Ambiental, um reflexo
bastante visível da alteração do Código, foi a redução do número de
multas e advertências aplicadas aos produtores após 2012. Em 2013 e 2012
foram aplicadas 87 multas e advertências aos produtores por desrespeito
as áreas de preservação. Nos dois anos anteriores (2011 e 2010), antes
da aprovação do código, foram 201 multas e advertências aplicadas, queda
de 56% das infrações registradas. “Isso mostra que estamos de mãos
atadas. Pelo menos até o início do Cadastro Ambiental Rural, que deve
entrar em vigor em 2017, não podemos multar os proprietários pelo uso
indevido das APP's”, afirma o capitão.
Pode piorar
Para a pesquisadora da Unesp, Jaquelini Zeni, o novo Código tende a
piorar uma situação que já estava difícil. “Mesmo obrigando o produtor a
preservar essas áreas que são vitais para a permanência dos rios, isso
não acontecia. Agora, com a “permissão” do uso da área, a tendência é de
que mais nascentes desapareçam nesse período”, afirma.
Ferramenta
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é o cadastro eletrônico obrigatório
a todas as propriedades e posses rurais. As informações do cadastro são
declaratórias, de responsabilidade do proprietário ou possuidor rural, e
farão parte do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – o SiCAR,
que ficará sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente e do
Ibama.
O sistema é a principal ferramenta prevista na nova lei ambiental
para a conservação do meio ambiente e a adequação ambiental de
propriedades. Nele o proprietário deverá declarar todas as áreas
existentes na propriedade. O CAR passa a vigorar em 2017 e servirá, para
um maior controle sobre o cumprimento da lei ambiental, auxiliando no
cumprimento das metas nacionais e internacionais para manutenção de
vegetação nativa e restauração ecológica de ecossistemas.
No Estado de São Paulo o cadastro deve ser feito pelo site: http://www.ambiente.sp.gov.br/car/
Córrego do Tatu estava morto e voltou a viver
Uma das nascentes revisitadas chamou a atenção das pesquisadoras da
Unesp. Conhecido como córrego do Tatu, o local, que fica entre Mirassol e
Neves Paulista, às margens da rodovia Feliciano Sales Cunha, ressurgiu e
voltou a ter água. Desde 2007 era impossível realizar qualquer tipo de
coleta de água no local, pois o mato já havia tomado conta do ambiente. O
que era um córrego caudaloso, transformou-se em um matagal sem fim.
“Mas eu decidi mudar essa situação e investi no reflorestamento. Com
recursos próprios plantei mil mudas de árvores nativas e hoje podemos
ver que a recompensa chegou. Olha só toda essa vegetação, olha o
córrego, ele voltou, está vivo. Já conseguimos ver até lontras nadando
por aqui. Se tem predador, é porque tem alimento”, afirma o produtor
rural Luiz Antonio Sanches.
Ele conta que após receber a visita dos pesquisadores da Unesp, em
2007, se sentiu motivado a restaurar a área. “Em 2006 eu fiz um curso
com o engenheiro agrônomo Márcio Castilho, de General Salgado, sobre
administração rural. Nessa época eu comecei a pensar na hipótese de
reflorestar uma área de quatro hectares da propriedade. Após a visita
dos pesquisadores eu decidi que ia fazer e hoje o resultado está aí. Não
tem dinheiro no mundo que pague isso”, afirma.
Orgulhoso, Luiz Sanches mostra a área que agora parece uma pequena
floresta, com árvores frutíferas e nativas. Os pássaros voltaram e a
vista do alto da fazenda ficou muito mais agradável. “O que eu gastei
para reflorestar a área, cerca de R$ 1,2 mil em mudas, não paga essa
visão e a alegria de ver a vida de volta na minha propriedade. Não tive
prejuízo nenhum com a reserva, muito pelo contrário, continuo cuidando
do gado e extraindo borracha das seringueiras, mas agora estou com a
consciência tranquila, pois sei que estou contribuindo para o meio
ambiente”, afirma o produtor.
Peixes estão desaparecendo
Na pesquisa desenvolvida na Unesp de Rio Preto, que está apenas na
primeira fase, também se constatou outro dado preocupante. Das 54
espécies de peixes encontradas em 2003, apenas 47 foram percebidas em
2013. “Isso mostra um desequilíbrio no ecossistema. A não ocorrência de
pelo menos sete espécies é grave, uma vez que esses peixes servem de
alimentos para outros maiores e também têm suas funções no ambiente,
como o controle natural de insetos. Está tudo interligado no meio
ambiente, qualquer alteração causa um grande descontrole”, afirma a
pesquisadora Jaquelini de Oliveira Zeni.
As espécies que foram encontradas em maior quantidade são de peixes
que se adaptam bem a qualquer local, ou seja, são mais tolerantes e
quando encontradas em grandes quantidades mostram que algo não vai bem
no riacho.
Espécie tolerante
“Encontramos muitos guarus, carás, espadinhas e platy, uma espécie
exótica que se reproduz com muita facilidade e é bastante tolerante. Já
espécies menos tolerantes como os bagrinhos, os cascudinhos e os
canivetes, foram encontrados em menor quantidade, o que mostra um
desequilíbrio no ecossistema”, explica.
Espécie sensível
Outra constatação da pesquisa foi a não ocorrência de espécies
sensíveis, como as pimelodellas (tipo de bagre) e as planaltinas (tipo
de tetra). “A falta desses peixes mostra que os rios estão em situações
críticas, pois são peixes bastante sensíveis a quaisquer alterações no
meio ambiente”, afirma Jaquelini.
O doutorado de Jaquelini tem como objetivo identificar cada uma das
funções exercidas pelos peixes nos rios e nascentes, porém o estudo
ainda está começando. “Minha previsão é de defender a tese até fevereiro
de 2017. Nesse meio tempo ainda vou passar um tempo nos Estados Unidos
para me aprofundar nos estudos”, contou.
(Diário web)