quarta-feira, 11 de junho de 2014

Povo bebe água imprópria para o consumo humano

Perigosas bactérias contaminaram as águas consumidas pela população de Aparecida de Goiânia – as de cisternas e as fornecidas pela Saneago. Cerca de 60% delas são consideradas impróprias para o consumo humano porque podem causar doenças graves e até mortais.

A denúncia é do Ministério Público e está embasada em centenas de análises feitas pelo Laboratório de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros (Lacen/GO). O MPE acusa pela contaminação a Saneago, Prefeitura, o Estado e a AGR – Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos.

Os Laudos Insatisfatórios do Lacen revelam que na maioria das águas de Aparecida, inclusive nas fornecidas pela Saneago, existe a perigosa bactéria Escherichia Coli. A presença dessa bactéria indica contaminação fecal, e nesse estágio, a água provoca doenças que levam a morte.

O caso resultou em processo do Ministério Público contra a Saneago, Prefeitura, o Estado e a AGR. A Ação Civil Pública foi proposta pelo promotor de Justiça Élvio Vicente da Silva, da 9ª Promotoria de Aparecida (Defesa do Patrimônio Público, Consumidor e Difusos).

A farmacêutica bioquímica Marlúcia Catúlio disse em depoimento ao promotor Élvio Vicente, que a situação de Aparecida é de alerta e que o município detém o nível mais alto de contaminação em Goiás. Segundo ela, quando a Escherichia Coli é encontrada na água, o produto já está infectado por inúmeras outras bactérias.

Todas as amostras coletadas pelo Lacen nas águas de Aparecida acusam a existência da bactéria Escherichia Coli, e por isso, a água não poderia estar sendo ingerida pelas pessoas. “A situação é de calamidade”, alerta o promotor de Justiça.
As doenças do descaso

O promotor Élvio Vicente constatou que mais de 80% da população de Aparecida não possui rede de esgoto e é obrigada a conviver com o mal cheiro exalado das fossas, ficando a mercê de doenças e mortes provocadas pelas águas infectadas das cisternas.

Ele afirma que em vários bairros, a água consumida pelo povo é extremamente nociva a saúde. A sua conclusão é comprovada por depoimentos de moradores e centenas de laudos enviados a 9ª Promotoria de Justiça e anexados ao processo.

Os esgotos a céu aberto colocam a população em constante risco de contrair doenças como a diarréia, desidratação, hepatite 'A', esquistossomose, febre tifóide, febre paratifóide, amebíase, ascaridíase e cólera, dentre outras. O meio ambiente também é vítima, pois rios e peixes estão morrendo vitimados pela contaminação.

A omissão da Saneago na prestação de serviços obrigou os aparecidenses a fazer cisternas e fossas provisórias e elas contaminaram todo o lençol freático da cidade, provocando graves danos a saúde e ao meio ambiente, afirma Élvio Vicente. Vale lembrar, a empresa de saneamento tem a concessão dos serviços a três décadas.

O processo que une na condição de réus a Saneago, Prefeitura de Aparecida, Estado e AGR teve início depois que diversos presidentes de bairros procuraram a 9ª Promotoria de Justiça para denunciar a péssima qualidade da água consumida nas regiões que eles representam.

O promotor de Justiça instaurou Inquérito Civil Público, confirmou as denúncias pelas análises, propôs a Ação Civil Pública e nela, ele é categórico quando afirma: “É um absurdo a situação a que estão submetidos os moradores de Aparecida, “obrigados a tomar água contaminada por bactéria indicadora de contaminação fecal”!

A presidente da Associação das Mães do Village Garavelo II, Jorgina Maria das Dores, denunciou ao promotor Élvio Vicente que uma moça moradora do bairro ficou cega de um olho por causa de um caramujo que vive na água.

No setor Morada dos Pássaros, pessoas contraíram diarréias e dores de estômago por ingerir água infectada. O Controle de Zoonoses e Vigilância Sanitária atestam que de sete amostras de água do setor, seis não atendem aos padrões bacteriológicos de potabilidade.

Dez amostras de água do bairro Residencial Norte Sul foram examinadas pela Universidade Federal de Goiás. O resultado é assustador: todas foram consideradas impróprias para o consumo, pois um lixão existente no setor Caraíbas contaminou o lençol freático da região.

Segundo o presidente do bairro Cardoso II, o esgoto do setor é a céu aberto e os dejetos dele vão direto para o Rio Tamanduá, que está infectado. A falta de saneamento causa a proliferação do mosquito da dengue e o risco de contaminação de várias doenças.

No bairro Mansões Paraíso, onde a Saneago também não implantou rede de esgoto, os dejetos de cozinha e de vasos sanitários são lançados diretamente nas ruas. Élvio Vicente afirma, a situação é grave em praticamente todos os barros de Aparecida, inclusive no centro da cidade.

A Saneago, que possui concessão para implantar redes de água tratada e de esgoto no município por mais 30 anos – a três décadas ela detém o monopólio dos serviços –, é acusada de inércia e morosidade, pois a maioria dos bairros não dispõe do sistema e onde ele existe, funciona de forma precária.

Segundo depoimentos de presidentes de bairros, o serviço prestado pela empresa é defeituoso, falta água constantemente e quando ela volta, desce suja e barrenta, totalmente sem condições de ser ingerida.

Os aparecidenses ouvidos no Ministério Público dizem que quando a Saneago quebra o asfalto para consertar canos, não o recupera, deixa os moradores sofrendo com as ruas esburacadas e não indeniza ninguém pelos transtornos.

Os cortes no fornecimento de água pela Saneago faz aumentar a conta no final do mês. O esquema ocorre porque a rede fica com ar comprimido, fazendo girar a rotação do medidor mesmo sem o uso da água.

Canos estourados, tubulação inferior que não resiste a pressão da água são algumas das centenas de reclamações feitas contra a Saneago no MP. Em muitos bairros onde existe rede de água tratada, ela também está contaminada, conforme os Laudos Insatisfatórios do Lacen.

O MP requer, via liminar, que a Saneago pare de cobrar a conta de água dos consumidores, enquanto o produto for considerado impróprio para o consumo. Se o Judiciário atender o pedido, a cobrança da tarifa fica suspensa até que a água seja descontaminada.

O promotor Élvio Vicente quer que a Saneago, Prefeitura, Estado e a AGR sejam condenados a pagar no mínimo R$ 1 milhão de indenização por danos morais coletivos. Ele entrou com pedido de liminar requerendo a elaboração, em seis meses, de um plano de saneamento básico, com a participação dos presidentes de bairros.

O projeto visa dotar 100% da cidade com rede de água tratada e de esgoto e deve ser executado em menos de dois anos. Élvio Vicente requer ainda a implantação e o funcionamento, em caráter de emergência, da Estação de Tratamento de Esgoto – ETE.

Outro pedido na Ação objetiva que a Prefeitura trabalhe em conjunto com a Saneago para implantar serviços de infraestrutura em todo o município, incluindo drenagem pluvial, coleta, afastamento e tratamento de esgoto. O promotor requer urgência em todas as medidas a ser adotadas para solucionar a situação, que ele qualifica de caótica.

(JusBrasil)