segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Luta contra o câncer de mama continua após o Outubro Rosa

O mês em que se comemora a maior campanha mundial contra o câncer de mama - o Outubro Rosa - terminou ontem, mas para muitas pessoas a batalha contra a doença continua. Para outras tantas, a luta está só iniciando, já que, a cada dia, cerca de 170 mulheres recebem o diagnóstico da enfermidade no Brasil.

O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo e o mais comum entre mulheres - responde por 22% dos casos novos a cada ano, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O problema é que, na guerra contra a doença, quem vence nem sempre é o mais forte. Vários fatores podem influenciar o resultado: bons profissionais, características do tumor, apoio familiar, idade e estado de saúde do paciente, entre outros.

Dois deles, no entanto, podem ser decisivos: acesso ao diagnóstico adequado na fase inicial e a realização da cirurgia para a retirada do tumor em tempo hábil.

Quando o assunto é o câncer de mama, correr contra o tempo é fundamental. Ter que disputar uma maratona dentro dessa difícil guerra pode ser algo inevitável.

A artesã Vera Lúcia das Mercês, 57, sabe bem o que isso significa. Em uma tarde de março do ano de 2013, ela começou a maratona pessoal. Estava em casa, na Vasco da Gama, e debruçou-se sobre a janela para olhar a rua. Ao cruzar os braços na altura do peito, sentiu um caroço do tamanho de um feijão branco na mama esquerda.

"Achei estranho porque não tinha histórico familiar e havia feito uma mamografia quatro meses antes e deu tudo normal, mas o danado havia chegado na minha vida".

O câncer havia cruzado a linha de partida e, se dependesse apenas da vontade de viver dessa artesã, ele jamais alcançaria a linha de chegada. Como ela sabe que força de vontade ajuda, mas não é tudo, tratou de sair na frente. Tinha consciência de que seria preciso correr muito e com passos largos e firmes.

Sem plano de saúde, teve que bancar, com a ajuda e apoio da família, alguns dos exames de imagem, necessários para o diagnóstico; e também pré-operatórios, para a realização da cirurgia de retirada do tumor.

Segundo a oncologista e vice-presidente do conselho científico da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama, Daniela Dornelles Rosa, na rede particular, o custo médio de uma mamografia no Brasil é de R$ 150.

Já uma sessão de quimioterapia, dependendo da complexidade, pode chegar a R$ 15 mil. "Uma pessoa pode ter que desembolsar cerca de R$ 1.500 só para ter acesso a um simples diagnóstico", diz.

Dona Vera não sabe dizer quanto gastou no total, mas lembra que, pela biópsia, pagou R$ 1.110. "Sei que o tratamento é disponibilizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas pode ser algo muito demorado e tinha receio de o câncer avançar em pouco tempo", diz.

O receio não era à toa. De acordo com o Inca, estudos científicos mostram que atraso superior a três meses entre o diagnóstico e o início do tratamento comprometem a expectativa de vida da mulher (sobrevida).

Como não tinha condições de bancar tudo do próprio bolso, dona Vera recorreu ao SUS e fez a cirurgia no Hospital Aristides Maltez. Também foi lá que fez todo o tratamento quimioterápico (6 sessões a cada 21 dias) e radioterápico (33 sessões diárias, de segunda a sexta).

Entre o diagnóstico e a cirurgia foram sete meses; da cirurgia até o final do tratamento mais nove meses. Isso significa que, mesmo pagando os exames, todo o processo durou um ano e seis meses.

"Acho que tive sorte. Fui acompanhada por profissionais maravilhosos, tanto na rede pública quanto na privada, e considerei meu tratamento muito rápido, diante das dificuldades que muitas mulheres enfrentam", diz.

No caso da aposentada Francis Gomes, 60, a maratona não durou mais que três meses. Dois fatores pesaram: ter plano de saúde e não precisar de quimioterapia.

"Quando descobriram, estava no início. Tive sorte", diz Francis, que agora se preocupa com a filha, a farmacêutica Janine Gomes, 35. "Como minha vó e minha mãe tiveram câncer de mama, a chance de eu ter é grande, segundo os médicos", diz a jovem.

Diante da possibilidade, precauções são redobradas. "Faço todos os exames e acompanhamento constante. Tenho muito medo de vir a ter a doença, mas peço proteção a Deus e confio, fazendo a minha parte", completa.

No caso de Francis e Vera, fica claro que elas saíram vencedoras, embora cientes de que a guerra ainda não acabou, já que os médicos preconizam 5 anos até um diagnóstico de cura.

"Sei que sou obrigada a tomar remédio diariamente e ter acompanhamento médico constante, mas não me abalo. Me sinto ainda mais forte para derrotar este adversário. Ele nunca foi e não será maior do que a minha fé e vontade de viver", diz Vera.

Desde 2012, o Brasil conta a Lei 12.732, conhecida como Lei dos 60 Dias, que prevê o início do tratamento do câncer em até dois meses após o diagnóstico da doença, no Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar de estar em vigor há um ano e cinco meses, a lei ainda não está sendo plenamente cumprida, conforme levantamento feito pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).

Para isso, a entidade encomendou pesquisa com 59 entrevistados, entre eles gestores estaduais de saúde, e amostra de hospitais e centros de tratamentos de câncer do SUS de todas as regiões do País – realizada entre abril e junho deste ano. Do total, 54 replicaram à pesquisa e fazem parte do universo de respostas.

Dados do estudo mostram que 64% dos entrevistados consideram que não houve repasse extra de recurso para que a Lei dos 60 Dias fosse implementada com eficiência. Mais da metade dos participantes da pesquisa (56%) menciona pelo menos alguma falha no funcionamento do Sistema de Informação de Câncer (Siscan).

O registro do Siscan deve reunir o histórico dos pacientes e seu tratamento, possibilitando acompanhar o prazo entre o diagnóstico e o primeiro procedimento.

Por meio de nota, o Ministério da Saúde (MS) informou que tem atuado na expansão e melhoria da qualidade dos serviços, bem como no monitoramento do acesso ao tratamento por meio do Siscan, conforme prevê a lei.

“Nos últimos três anos, os recursos destinados ao diagnóstico, tratamento e prevenção do câncer tiveram crescimento de 37,3%, passando de R$ 1,9 bilhão, em 2010, para R$ 2,8 bilhões, em 2013”, informou o órgão.

Ainda segundo o MS, no último ano, o número de mamografias feitas aumentou em 51% para rastreamento em todo o País em relação a 2010.

Atualmente, o Siscan tem 4.668 municípios com senha de acesso e 13.318 pacientes registrados com câncer, dos quais 6.485 já estão em tratamento. “Aproximadamente, 60% deste número estão em cumprimento com a Lei dos 60 Dias”, informou.

(UOL)