sábado, 6 de dezembro de 2014

Como nuvem letal matou mais de 8 mil pessoas em 72 horas

Em apenas uma noite, entre 2 e 3 de dezembro de 1984, um vazamento em um tanque de armazenamento subterrâneo de uma fábrica de pesticidas na Índia lançou ao ar 40 toneladas do gás isocianato de metila e causou o mais grave acidente industrial da história.



Em questão de poucas horas, uma nuvem letal se dispersou sobre a densamente povoada cidade de Bhopal, com 900 mil habitantes, matando mais de 8 mil pessoas.

Y.P. Gokhale, diretor da fábrica, a americana Union Carbide, disse na época que o gás tinha escapado quando uma válvula no tanque quebrou, sob pressão.

Meio milhão de pessoas foram expostas ao gás. As doenças crônicas geradas pelo contato com a substância deixaram um assombroso legado para gerações futuras.

A cidade de Bhopal estava dormindo. Era como qualquer outra noite para os moradores que viviam no aglomerado de casas em volta da fábrica da Union Carbide. A fábrica foi construída em 1969 para a produção de agrotóxicos que contêm um produto químico altamente perigoso - o isocianato de metila. As favelas construídas junto à fábrica abrigavam muita gente.

Alguns moradores próximos à fábrica foram os primeiros a notar um cheiro forte - e seus olhos começaram a arder. Alguns disseram que "parecia que alguém estava queimando um monte de pimenta''. O cheiro ficou ainda pior e mais forte. As pessoas logo começaram a se queixar de falta de ar e a vomitar. Caos e pânico eclodiram na cidade e em áreas vizinhas. Dezenas de milhares de pessoas tentaram escapar.

"As pessoas começaram a cair no chão, espumando pela boca. Muitos não podiam abrir os olhos", contou à BBC a moradora Hasira Bi. ''Acordei por volta da meia-noite. As pessoas estavam na rua vestindo o que usavam para dormir, algumas com apenas suas roupas íntimas."

Multidões de pessoas aterrorizadas começaram a fugir e inalaram ainda mais gás.

"O gás venenoso era mais pesado que o ar, por isso, quando vazou, estabeleceu-se em uma nuvem densa que se moveu silenciosamente pelos bairros pobres ao redor da fábrica", disse Swaraj Puri, chefe da polícia de Bhopal na época, em entrevista à BBC em 2009, recordando a noite fatídica.

A sirene da usina soou. "Gás está vazando da usina", gritavam pessoas nas ruas de Bophal.

"Nós estávamos tendo asfixia e os nossos olhos queimavam, mal podíamos ver a estrada em meio à neblina, as sirenes eram estridentes, não se sabia qual o caminho a ser seguido. Todo mundo estava muito confuso", disse à BBC Ahmed Khan, morador de Bhopal, pouco após o desastre em 1984.

"As mães não sabiam que filhos tinham morrido, crianças não sabiam que mães tinham morrido e homens não sabiam que tinham perdido suas famílias."

O correspondente da BBC Mark Tulley relata que o "hospital principal da cidade estava irremediavelmente superlotado, com pacientes que não paravam de chegar". "Milhares de gatos mortos, cães, vacas e aves estavam espalhados pelas ruas e os necrotérios da cidade foram enchendo rapidamente".

Swaraj Puri, ex-chefe de polícia de Bhopal, disse à BBC que, ao amanhecer, "coube a mim e aos meus homens começar a recolher os corpos. Havia mortos em quase todos os lugares". "Minha reação foi 'Oh meu Deus! O que é isso? O que aconteceu?' Nós ficamos chocados, não sabíamos como reagir."

O número de mortos continuou subindo rápido. Em 72 horas, mais de 8 mil pessoas tinham morrido. Outros milhares morreram nos meses seguintes. O governo declarou que 5.295 morreram no desastre, mas ativistas falam em mais de 20 mil vítimas fatais.

Ambientalistas dizem que a toxina vazada ainda contamina o solo e as águas subterrâneas. Mas o governo do Estado nega, insistindo que o abastecimento de água ao redor da planta é seguro.

Ativistas e grupos de apoio às vítimas alegaram mais de 150 mil sofreram sequelas e contraíram doenças como câncer, cegueira, danos no fígado e nos rins após a contaminação. Eles têm publicado relatos que mostram que Bhopal tem uma incomum - e alta - incidência de crianças com problemas congênitos e deficiência de crescimento, assim como tipos de câncer e outras doenças crônicas.

O local da antiga fábrica de agrotóxicos está agora abandonado. O governo do Estado de Madhya Pradesh assumiu o controle sobre a instalação em 1998. Nenhum funcionário de primeiro nível da Union Carbide foi julgado sobre o que aconteceu em Bhopal.

O ex-presidente da Union Carbide Warren Anderson foi preso pela polícia indiana durante uma visita à fábrica após o desastre, mas foi libertado sob fiança e prontamente deixou o país. Ele foi oficialmente classificado como "fugitivo", mas o governo indiano jamais seriamente pressionou por sua extradição dos Estados Unidos. Anderson morreu em setembro passado.

Como representante legal dos sobreviventes, o governo indiano pediu por US$ 3,3 bilhões (R$ 8,4 bilhões) de indenização, mas, em um acordo na Justiça, a empresa concordou em pagar US$ 470 milhões, o que os ativistas consideram totalmente insuficiente.

(BBC Brasil)