quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Criticado por ambientalistas em documentário, SeaWorld planeja construir nova área para as orcas

Alvo de críticas, o SeaWorld prepara mudanças em sua principal e polêmica atração, as orcas. Ano passado, o parque voltou ao centro das atenções de ambientalistas com o lançamento do documentário “Blackfish: fúria animal”, que retrata a forma como os cetáceos são retirados do oceano para viver em cativeiros, trazendo depoimentos de ex-funcionários e pescadores. Mas a companhia quer deixar o episódio para trás, com o anúncio da construção de um novo ambiente para as orcas e um investimento de US$ 10 milhões em projetos de pesquisa e conservação.

Apesar dos investimentos, os efeitos do documentário ainda são sentidos: a companhia reduziu a previsão de lucro para este ano por conta do debate em torno da forma como trata seus cetáceos. O ponto de partida do filme foi o acidente envolvendo a orca mais famosa do parque, o Tilikum, que matou sua treinadora, Dawn Brancheau, em fevereiro de 2010, durante uma apresentação.

No segundo trimestre deste ano, a receita do SeaWorld — o grupo reúne os parques Busch Gardens, Aquatica e Discovery Cove — caiu 1,5% em relação ao mesmo período do ano passado, para US$ 405,2 milhões, abaixo das previsões do mercado, de US$ 445 milhões. Para o ano, a expectativa é de que receita recue 7%. Entre abril e junho, a frequência nos 11 parques do SeaWorld cresceu 0,3%, menos que os 4,3% esperados por analistas. Nos primeiros seis meses, o grupo recebeu 9,6 milhões de visitantes, dos quais 1,6 milhão de estrangeiros.

Depois de criar um site mostrando como cuida dos cetáceos, o SeaWorld — que abriu capital na Bolsa de Nova York meses antes do lançamento do documentário — mira agora na construção de uma nova área para as orcas.

O primeiro parque a receber o novo habitat recriado será o SeaWorld de San Diego, na Califórnia, que passará a contar com um volume de 38 milhões de litros de água, o dobro do atual. A instalação terá ainda uma profundidade de 16 metros, com 6 mil m² de superfície e 106 metros de comprimento. A previsão é que a área fique pronta em 2018. Em seguida, os parques de Orlando e de San Antonio, no Texas, receberão as mudanças. Segundo o parque, será a maior área de observação de orcas do mundo.

A ideia do novo habitat é, além de dar mais espaço para as orcas, permitir que os visitantes caminhem como se estivessem lado a lado com os animais. Está prevista ainda uma “corrente de águas rápidas”, que fará com que os cetáceos nadem contra o fluxo da água, ajudando a desenvolver a agilidade e variedade de seus movimentos.

— As orcas poderão ser observadas em diferentes níveis de profundidade. O público poderá ver tudo o que fazemos com os animais, o que não é possível nas apresentações hoje. Mas isso não tem nada a ver com “Blackfish”. Já vinha sendo discutido anos antes — diz Kelly Clark, treinadora-chefe dos cetáceos do SeaWorld.

Após o acidente em 2010, Kelly lembra que não há mais interação do treinadores com as orcas nas piscinas onde ocorrem as apresentações:

— Há uma nova metodologia. Foi um desafio mudar a forma como interagimos com as orcas. Tilikum também ficou um tempo sem se apresentar.

Em 2013, o documentário americano Blackfish abalou a indústria dos parques de entretenimento ao levantar acusações contra o SeaWorld, organização que opera 11 parques aquáticos nos Estados Unidos. O filme conta a trajetória da orca Tilikum, mantida em cativeiro por anos e treinada para o show Shamu, em que ela fazia vários tipos de acrobacias e encenações para divertir a plateia – prática comum no SeaWorld. Segundo o documentário, a baleia foi responsável pela morte de diversos treinadores, violência alegadamente gerada pela vida em aquários. A produção também entrevista antigos funcionários dos parques que denunciam maus tratos, como tanques pequenos demais para o porte dos animais, alimentação restrita para deixar os bichos mais “ativos” nas apresentações e diminuição de expectativa de vida por estresse.

Blackfish comoveu o público logo em sua estreia na emissora CNN, quando foi visto por 21 milhões de telespectadores nos Estados Unidos. Após o lançamento do documentário, ocorreram protestos nos parques de San Diego e Flórida e centenas de internautas participaram de abaixo-assinados contra o SeaWorld.

No início deste ano, a diretora do filme, Gabriela Cowperthwaite, criou uma moção para banir o uso de orcas como entretenimento no Estado da Califórnia. A norma ainda aguarda aprovação.

A causa também foi defendida por celebridades. Músicos como os das bandas The Barenaked Ladies e Cheap Trick cancelaram suas apresentações nos parques. A cantora Joan Jett proibiu o uso das suas músicas lá. E os diretores do filme da Pixar Procurando Dory, continuação de Procurando Nemo, alteraram o final da história, que se passa em um parque aquático no estilo SeaWorld.

Entretanto, houve também quem desacreditasse os argumentos de Blackfish. Mark Simmons antigo treinador da instituição, chamou o filme de “uma cruzada contra o SeaWorld e o ramo de cuidados de zoológicos em geral, engendrada por um casamento perfeito entre sensacionalismo de organizações de direitos dos animais e ex-funcionários descontentes”.

Jim Atchinson, CEO da companhia, afirmou que a publicidade negativa não vinha demonstrando nenhum impacto no negócio, chegando a dizer que “o documentário, de alguma forma, ajudou a levantar interesse sobre animais marinhos e nossos parques”. Os resultados financeiros da companhia, porém, indicaram o contrário: a frequência de visitação diminuiu 4,3% no primeiro semestre de 2014, as ações caíram 33% – em vez dos 7% previstos – e a marca perdeu 1,6 bilhões de dólares em valor de mercado.

Pouco tempo após a divulgação dos números, o SeaWorld anunciou o Blue World Project, um plano com uma série de medidas para aumentar o bem-estar dos animais. A iniciativa promete direcionar 10 milhões de dólares para o estudo das baleias e a proteção do oceano, dobrar o tamanho e volume de água dos tanques das orcas, e simular um ambiente mais parecido ao habitat natural delas, com correntes marinhas e faixa de areia. O primeiro parque do grupo a receber essas melhorias será o de San Diego, a partir de 2018.

Os apoiadores do Blackfish não se mostraram convencidos pelos esforços do parque: a organização de direitos animal PETA contra-argumentou que “uma prisão maior ainda é uma prisão”, enquanto Cowperthwaite diz suspeitar que o verdadeiro objetivo da novidade seja acolher e promover a reprodução entre novos exemplares da espécie.

A diretora do documentário afirmou diversas vezes que suas críticas eram direcionadas especificamente aos cativeiros de cetáceos – animais marinhos da classe de mamíferos, entre eles baleias e golfinhos. “O SeaWorld está dizendo ‘aqui está um pequeno grupo de ativistas indo atrás da indústria de zoológicos’, mas não somos.” Apesar de não reprovar o uso de animais de menor porte em aquários, seu filme iniciou, involuntariamente, uma discussão mais ampla, criticando as consequências de mantê-los enclausurados por uma vontade humana.

No Brasil, quem define as condições para um cativeiro chegar o mais perto possível da realidade na natureza, sem impedir o comportamento natural do bicho, são o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre as especificações, estão as dimensões que uma jaula deve ter para certa espécie, quantos animais podem ficar dentro de cada uma delas, que tipo de alimentação eles devem receber, quais temperatura e arquitetura os espaços requerem, como será monitorada a qualidade da água e com quantos biólogos e veterinários cada unidade de zoológico ou aquário deve contar.

Para definir o que é indispensável ao bem-estar de um ser vivo – ou seja, não deixá-lo passar fome, sede, medo ou privação física e comportamental –, são usados estudos científicos como base para a avaliação de espécies específicas. Faltam, porém, pesquisas mais aprofundadas sobre o impacto do cativeiro na saúde a longo prazo. “Sabemos que o hormônio cortisol, quando elevado, significa estresse crônico e que, acima de um certo nível, ele altera o comportamento do animal de uma forma definitiva – ele fica traumatizado. Não há um consenso mundial sobre quanto estresse pode ser danoso”, afirma Paula Papa, professora associada do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

O que se sabe é que quanto maior o porte do animal e menor o espaço disponível diariamente para ele, piores serão suas complicações psico e fisiológicas e mais tempo será preciso para que ele seja reabilitado. É o que reforça Carlos Rosolen, diretor da PEA, ONG focada no resgate de fauna. “Por mais que existam as regras, questionamos sua validade, pois a própria existência de zoológicos e aquários é uma atividade criminosa: ela limita a vida natural dos animais silvestres e exóticos e por isso não deveria existir.”

Imaginando que os humanos consigam determinar a relação exata entre estresse e vida, seria possível recriar, em um espaço limitado, um ambiente tão livre, instigante e saudável para o animal quanto a natureza? A resposta é polêmica entre especialistas. “Golfinhos e baleias são tidos como carismáticos, então o público critica mais a presença deles em cativeiro e não reflete tanto sobre os outros bichos. Vejo peixes mantidos há anos e que seguem crescendo e se reproduzindo, então acho questionável a ideia de que eles estão sendo submetidos a estresse. O animal na natureza acorda todo dia pensando o que vai comer e o que vai fazer para sobreviver. Muitos dos exemplares que estão no aquário já teriam morrido no mar. Um aquário não pode ser comparado a uma prisão porque ele dá conforto ao animal. E não podemos esquecer: Devemos brigar pelos dez mil tubarões mantidos em zoológicos e aquários do mundo todo ou os milhares de tubarões capturados e mortos todo ano, só para que se faça uma sopa de barbatanas?”, afirma Paulo de Tarso, coordenador técnico do aquário Acquamundo, do Guarujá.

Para Paula Papa e Hugo Gallo, diretor executivo do Aquário de Ubatuba, a extração de alguns exemplares da natureza para a mesa dos veterinários justifica essa intervenção no ecossistema, pois seriam cruciais para o entendimento de seus organismos, doenças e a prevenção de sua extinção. “O papel do bicho é na natureza, mas acho mais importante segurar alguns poucos deles aqui, ajudando os cientistas a refletir e aprender. Estamos integrando a sociedade com o conhecimento científico”, diz Hugo Gallo.

As instituições brasileiras são, porém, alvos constantes de reclamações por parte de ativistas, que afirmam que, por requerer muita verba, parte delas dizem conduzir pesquisas, mas, no fundo, não o fazem. Wendell Estol, diretor geral do Instituto Sea Shepherd Brasil – defensora da preservação marinha e uma das apoiadoras do Blackfish – compartilha dessa opinião. "No Brasil a maioria dos estabelecimentos nada mais são que depósitos públicos para animais selvagens. Falta investimento para uma melhor estrutura e a fiscalização por parte do governo. Comumente, vemos notícias de animais em más condições de higiene e até mesmo de saúde, que deveria ser a razão prioritária para mantê-los em cativeiro. O que realmente movimenta tal negócio é a questão financeira.” Estol afirma que aquários e zoológicos são conhecidos, erroneamente, como centros de pesquisa e preservação, que desempenham papel educativo e salvam espécies em extinção.

Carlos Rosolen, diretor da ONG PEA, concorda que o contato direto com a natureza é a melhor forma de ensinar os jovens a respeitá-la. “É preciso quebrar a falácia de que as crianças começam a gostar de animais quando vão ao zoológico”, afirma Rosolen. “A educação ecológica e o amor à natureza têm que ser ensinados por meio de exemplos e no contato direto com a natureza. Não é porque você nunca viu um coala de perto que não o aprecia e respeita.”

Paula tem a mesma opinião: “Não tem comparação entender a importância do animal para o mundo em outro lugar além de seu habitat. A criança, ao ver um pássaro na gaiola, não consegue sozinha extrapolar o significado de sua existência para além dali. Grande parte das pessoas não poderá ver uma girafa ou urso polar pessoalmente, mas se o bicho precisa sofrer para que o humano consiga vê-lo, não é justificável”.

Ao longo dos últimos anos, algumas alternativas vêm sendo propostas para substituir ou acabar com criadouros. A maioria dos ativistas sugere que zoológicos e aquários sirvam somente de centro de reabilitação veterinário para animais doentes, traumatizados ou que, por algum outro motivo, não podem ser reinseridos na selva. Aqueles que funcionam com fins de puro entretenimento, deveriam, segundo eles, ser progressivamente desativados, deixando de comprar novos animais e mantendo os que já estão lá com uma boa qualidade de vida até sua morte.

O futuro, nesse contexto? Turismo de observação. “Mergulhar com tubarão no oceano, por exemplo, em vez de levá-lo a um aquário. Esse modelo econômico vem crescendo – as pessoas estão ficando mais conscientes sobre os maus tratos e exploração animal e estão pressionando para que isso acabe. O acesso não é tão fácil, mas no Brasil temos muitas opções”.

Cowperthwaite, diretora de Blackfish, propõe outro modelo mais plausível – um meio termo entre a natureza e um tanque. “O melhor jeito é ter um santuário, para onde são mandados animais que não sobreviveriam na natureza ou que foram aposentados de circos. Então um ambiente muito parecido com o original deles seria replicado. Para uma orca seria um santuário marinho, em que elas nadariam no ritmo do oceano. E o proprietário poderia cobrar entrada. Ver uma baleia assim é tão mais magnífico do que ver uma fazendo truques na piscina.”

(O Globo, Época)