Representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Eletropaulo rejeitaram perigos nos campos eletromagnéticos que seguem os limites permitidos, enquanto especialistas do Ministério da Saúde e de universidades apresentaram dados para comprovar que há prejuízos, principalmente às crianças, que são mais suscetíveis.
O ministro do Supremo Dias Toffoli, relator de uma ação sobre o tema, pediu a audiência para obter subsídios em relação ao assunto, antes de tomar uma decisão, que ainda será submetida ao plenário da corte. No processo, a Eletropaulo, concessionária de energia do estado de São Paulo, contesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que determinou a redução do campo eletromagnético em razão do potencial cancerígeno da radiação. A ação começou há 12 anos em São Paulo.
Uma reportagem do "Fantástico" exibida no começo deste mês mostrou que moradores de um bairro de São Paulo querem tirar as linhas de alta tensão de perto de suas residências por temor de câncer.
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e representante do Ministério da Saúde, Sergio Koifman, levou à audiência uma pesquisa que revela ligação entre a exposição a campos eletromagnéticos e a morte de crianças por leucemia em municípios de São Paulo.
Foi realizada em 1992 e 2000 em 289 residências de diferentes cidades paulistas, onde morreram devido à leucemia 187 crianças com menos de 15 anos. O estudo revelou que as casas onde morreram essas crianças eram mais próximas de linhas de alta tensão.
“Nos transformadores elétricos e nos circuitos primários a tensão ainda é elevada, ou seja, quanto mais próximo, maior a intensidade de exposição. [...] Como as crianças passam a maior parte do tempo na residência e apresentam biologicamente uma maior vulnerabilidade a esse tipo de exposição, isso poderia trazer uma maior exposição acumulada do que uma aferida com a medição com o dosímetro”, afirmou o pesquisador.
Na avaliação da professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cláudia Lima Marques, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), deve ser mantida a decisão do TJ.
A professora afirmou que a Eletropaulo tem que provar que o campo eletromagnético nos níveis que defende não são maléficos, e não o contrário.
Para ela, o Brasil precisa enfrentar essa discussão sobre os efeitos das linhas de transmissão para a população. “A energia elétrica deve ser produzida sem defeitos de produção, distribuição e de transmissão e fornecida com qualidade e segurança aos consumidores, respeitando o direito à saúde e à coletividade”, disse.
O vice-presidente da Eletropaulo, Sidney Simonaggio, foi o primeiro palestrante a falar no seminário e assegurou que a empresa segue os padrões internacionais de segurança daOrganização Mundial de Saúde (OMS).
"Esse limite mundial deve ser seguido. A redução no campo magnético encareceria o fornecimento energia elétrica porque requereria estruturas demasiadamente grandes e desnecessárias. Não pode haver a criação de um temor difuso e não fundamentado. Estaríamos tendo o que se chama de excesso de prevenção”, concluiu.
Ele disse que as linhas de transmissão da região que trouxe o debate ao Supremo foram instaladas quando o local não era povoado.
Simonaggio lembrou ainda que o custo para construir linhas de transmissão num modelo mais seguro – com torres mais altas ou cabeamento subterrâneo mais profundo - seria de R$ 10 bilhões. De acordo com ele, a construção de linhas no modelo atual custa hoje R$ 3 milhões por quilômetro, subindo para R$ 13 milhões por quilômetro, se forem elevadas a 50 metros e R$ 23 milhões se forem subterrâneas.
Segundo o superintendente de Regulação dos Serviços de Distribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Carlos Alberto Mattar, é “praticamente inexistente” no país instalações de linha de transmissão elétrica fora dos limites permitidos de exposição a campos eletromagnéticos.
Durante a audiência, ele reiterou que esse limite é fixado pela OMS, que segue recomendações da Comissão Internacional de Proteção Contra a Radiação Não Ionizante (ICNIRP).
Atualmente no Brasil, a lei estabelece que campos das linhas de transmissão não podem passar de 83 microteslas (unidade que mede campo magnético) para a população em geral. Isso significa 83 milionésimos de tesla. Para a chamada população ocupacional, que são aqueles que trabalham diretamente com as linhas e redes de transmissão, esse limite é de 433 microteslas.
Conforme Mattar, a comissão internacional alterou recentemente os limites de medição para um nível maior (200 microteslas para a população em geral e 1.000 microteslas para a população ocupacional). Ele acrescentou que a Aneel fará uma audiência pública para debater esses novos limites estabelecidos.
Os cientistas procuram há muito tempo uma relação entre os campos gerados pelas linhas de alta tensão e doenças em seres humanos. Mas não há consenso na comunidade científica sobre o tema. Há suspeitas de que a leucemia infantil tenha relação com campos magnéticos.
Existem dois tipos principais de radiação. O primeiro é a chamada radiação ionizante, como a de uma bomba atômica. Essa, quando entra no organismo, faz estragos, quebra moléculas, faz surgirem cargas elétricas onde antes não havia nada. Nesse clima de instabilidade, podem aparecer até mutações no DNA e doenças como câncer.
O outro tipo são as radiações não ionizantes, como as de uma linha de alta tensão ou de um exame de ressonância. Essas, quando entram no organismo, não provocam estragos. Se elas fazem mal e como esse mal seria causado, isso até hoje não se sabe.
Fonte: G1
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