O mundo foi surpreendido, mês passado, com a notícia do que pode ser o primeiro caso de uma criança curada de Aids. Filho de uma mãe soropositiva que não havia feito pré-natal – e portanto não tinha recebido na gestação remédios que reduzem o risco de contaminação pelo feto – , o bebê foi submetido a um tratamento preventivo anti-HIV intenso apenas 30 horas após seu nascimento. Exames confirmaram a infecção, e a criança continuou sob tratamento até completar um ano e meio. Nos dez meses seguintes, os médicos perderam o contato com o bebê. Quando retornou ao hospital, em Mississippi (EUA), constatou-se que a presença do vírus havia caído a níveis indetectáveis, apesar de o bebê ter ficado sem medicação por quase um ano. O caso foi considerado uma cura funcional: quando a concentração viral desaba a níveis não detectáveis pelos testes mais sensíveis e o HIV perde sua capacidade de replicação dentro do organismo.
Até hoje, o único caso reconhecido de cura (quando não há nenhum traço do vírus no corpo) é o do americano Timothy Brown. Por causa de uma leucemia, ele foi submetido a um transplante de medula óssea. O doador era portador de uma rara mutação genética que aumenta a defesa contra o HIV. Ele permanece livre do vírus. No caso do bebê, os médicos acreditam que a administração de três drogas logo após o nascimento evitou que o HIV tivesse tempo para se abrigar nos esconderijos (locais nos quais as drogas não têm ação). Eles são o principal impeditivo para a cura, uma vez que, cessada a medicação, os vírus ali alojados voltam a se replicar. “É um achado excitante”, disse a médica Deborah Persaud, do Johns Hopkins Children’s Center, que acompanhou o caso. “Tratando uma criança precocemente, podemos impedir a formação desses reservatórios de HIV.”
A divulgação do caso despertou entusiasmo moderado. Em tese, a estratégia poderia ser usada para os recém-nascidos com alto risco de estarem infectados. No entanto, isso só poderá acontecer se a evolução a longo prazo da criança for realmente favorável. “É preciso mais tempo de segmento do caso”, diz o infectologista Caio Rosenthal, de São Paulo. “Temos sempre de ser cautelosos quando lidamos com um caso apenas”, ressalvou também o médico Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas dos EUA. Enquanto a resposta final não vem, os cientistas aprofundarão as investigações. No Brasil, a médica Valdiléa Veloso, da Fundação Oswaldo Cruz, tentará localizar e ver o que aconteceu às 1.684 crianças tratadas com regime semelhante ao aplicado nos EUA, em pesquisa feita na instituição em 2004. “Quem sabe também encontramos uma boa notícia”, diz ela. Tomara que sim.
Fonte: IstoÉ