Analisar a saúde do trabalhador, como resultado de determinantes macroeconômicos integrados a condições e organização do trabalho e promover ações integradas do Estado para proteger a vida. Esta é a base das ações de Maria Maeno, médica sanitarista que sempre buscou inserção profissional onde pudesse utilizar o seu conhecimento clínico em ações diretamente voltadas à proteção da saúde dos trabalhadores.
No final da década de 1980, acompanhou o início dos diagnósticos de LER (Lesões por Esforços Repetitivos) na categoria metalúrgica. A partir de 1987, passou a fazer parte do pioneiro PST-ZN (Programa de Saúde dos Trabalhadores da Zona Norte de São Paulo), ligado à Secretaria de Estado da Saúde de SP, que consistia em ações de vigilância, com análise de dados, planejamento de intervenção, fiscalização de ambientes de trabalho e avaliação da saúde dos trabalhadores.
Mais tarde, o PST-ZN deu origem ao Cerest/SP (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo), que coordenou por 16 anos. Participou, ainda, de movimentos institucionais e sociais para dar visibilidade às LER como problema decorrente da organização do trabalho, bem como prestou assistência a pacientes de diferentes ramos econômicos, desenvolvendo programas multidisciplinares de diagnóstico, tratamento, reabilitação física e psicossocial. Escreveu, junto a colegas, manuais técnicos publicados pelo Ministério da Saúde. Participou também da formulação da Instrução Normativa 98/2003 do INSS, referente às LER e do atual Protocolo de LER do Ministério da Saúde.
Como a senhora avalia o cenário de adoecimento relacionado à organização do trabalho no Brasil?
Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais clássicas, como perdas auditivas, silicoses e intoxicações por metais, continuam ocorrendo. Mas, paralelamente à exposição a fatores físicos, químicos e biológicos presentes nos ambientes de trabalho, aspectos da organização do trabalho têm causado adoecimentos variados e frequentes. A organização do trabalho tem privilegiado essencialmente o desempenho das empresas e sua capacidade de competir no mercado, sem considerar as características do ser humano que nelas trabalha. Para atingir suas finalidades, as empresas têm enxugado ao máximo o seu quadro de funcionários e usam da tecnologia para intensificar o ritmo de trabalho dos que permanecem, estipulando metas inatingíveis e, em muitos setores, individuais.
A pressão exercida para o alcance das metas vinculadas à parte da remuneração variável em todos os níveis hierárquicos tem impacto nas relações entre os trabalhadores, que frequentemente perdem a perspectiva do companheirismo, passando a se ver como adversários. As situações humilhantes para os que não conseguem atingir as expectativas das empresas são cada vez mais frequentes e o risco da demissão é diário. Essas situações conduzem à falta de solidariedade entre os trabalhadores, ao isolamento, à falta de trocas e faz as pessoas adoecerem física e mentalmente. Nos casos em que há uma exigência de movimentos repetitivos, além dos transtornos mentais há o acometimento das estruturas musculoesqueléticas, resultando em tendinites, tenossinovites, compressões nervosas, dor crônica, que são entidades mórbidas enquadradas nas LER.
As empresas sabem lidar com este problema? Associam doença ocupacional a questões de organização do trabalho?
De regra as empresas não reconhecem que as suas condições não são as ideais para os trabalhadores. É comum afirmarem que "sempre trabalharam desse jeito e nunca houve problema e que um pouco de stress faz bem". Quando ocorre um acidente grave, a tendência não só das empresas, mas até das pessoas que analisam os acidentes de trabalho, é alertar o trabalhador de que "ele não pode ser distraído durante o trabalho", ou que as pessoas têm que ser capacitadas. Porém, a pessoa pode ser capacitada e informada, saber que aquela atividade é perigosa, mas se ela tem obrigação de trabalhar daquela maneira, qual é a sua responsabilidade diante de um acidente, considerando sua posição de subalterno? A tentativa é sempre de culpabilizar o trabalhador individualmente, e esta não é a saída. Todo mundo se distrai várias vezes ao dia, isso é humano. Não se pode dizer para um ser humano que não se distraia por oito, nove horas ao dia; é irreal.
Outra tendência do empregador ainda é atribuir o adoecimento a um fator externo ao trabalho. Em saúde mental essa tendência é ainda mais acentuada. É comum afirmar que "o funcionário sempre foi estranho, que brigou com a mulher, que o filho tem certo problema", etc. Dificilmente alguém fica doente somente por uma causa. O adoecimento mental do qual estamos conversando não tem causa orgânica. É fruto de um processo de desgaste gradativo, tanto pelos aspectos da organização do trabalho como pela forma de gestão, caracterizada pela pressão, ameaças explícitas ou implícitas, desvalorização do trabalhador, gerando clima de medo, insegurança e baixa autoestima.
Fonte: Revista Proteção