Uma avaliação nutricional de 358 crianças menores de 3 anos no município de Itupeva, no interior de São Paulo, revelou que quase um terço delas já apresenta excesso de peso, mas apenas 20% das mães têm a percepção do problema. Os dados ainda apontam evidências de atraso no desenvolvimento em 28% e anemia por deficiência de ferro em 38% das crianças avaliadas.
O levantamento foi realizado entre fevereiro e abril de 2013 por pesquisadores da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), coordenados pela professora Elizabeth Fujimori.
A pesquisa, intitulada “Efeito do aconselhamento nutricional da estratégia Aidpi sobre práticas alimentares, estado nutricional e desenvolvimento infantil”, conta com financiamento da FAPESP e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, no âmbito de um acordo de cooperação firmado pelas duas instituições.
Resultados do estudo foram apresentados em março durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil, realizado na FAPESP.
“Quando os pais não reconhecem o problema [de sobrepeso], levam muito tempo para buscar ajuda. Qualquer alteração na nutrição nessa fase de intenso crescimento pode afetar a criança de forma muitas vezes irreversível. A chance de crescer com excesso de peso e se tornar um adolescente e um adulto obeso e com riscos cardiovasculares aumenta muito”, afirmou Fujimori.
De acordo com a pesquisadora, o estudo tinha o objetivo de avaliar os efeitos do aconselhamento nutricional – por meio da estratégia de Ação Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (Aidpi) – sobre a prática alimentar, o crescimento, o desenvolvimento infantil e ainda sobre a capacidade das mães de reconhecerem o estado nutricional das crianças.
“A estratégia Aidpi foi proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na década de 1990 e implementada em todos os países latino-americanos, mas parcialmente no Brasil. Temos trabalhado com essa estratégia na formação em enfermagem porque ela é muito importante na atenção integral à saúde da crianças”, disse Fujimori.
A pesquisa foi estruturada em três fases. O primeiro passo foi avaliar condições de saúde, nutrição e desenvolvimento infantil, além da prática materna relacionada à alimentação de crianças menores de 3 anos atendidas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Itupeva.
Em uma segunda etapa, os profissionais de saúde foram convidados a participar da capacitação para aconselhamento nutricional por meio da Aidpi adaptada, que incorporou orientações da Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (Enpacs), uma iniciativa governamental que se propõe a qualificar os profissionais da atenção básica a fim de fortalecer as ações de promoção à alimentação complementar no Sistema Único de Saúde.
Um treinamento com carga horária de 24 horas foi realizado com um grupo de enfermeiros. Outros três grupos de auxiliares, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde receberam treinamento de 16 horas. Não houve adesão dos médicos convidados.
A capacitação foi realizada entre os meses de setembro de 2013 e janeiro de 2014, com dramatizações e exercícios práticos sobre a temática abordada.
A terceira fase, prevista para ocorrer entre abril e junho de 2014, pretende avaliar o efeito da capacitação em amostra de pares mãe-criança atendidos nas UBS.
Segundo Fujimori, o índice de anemia encontrado no levantamento inicial é muito similar ao de um estudo anterior, de 2001. “Foi uma surpresa ver que os índices continuam altos mais de dez anos depois, apesar de políticas públicas como a da fortificação de farinhas com ferro e a suplementação medicamentosa profilática”, afirmou.
Os resultados preliminares apontam que apenas 45% das crianças na faixa dos 6 a 18 meses recebem a suplementação medicamentosa profilática de ferro como preconizado pelo Ministério da Saúde. Apenas 40% recebem regularmente o medicamento Aditil, que combina as vitaminas A e D. Ambos os suplementos são fornecidos gratuitamente na rede pública. Mesmo com a prescrição desses suplementos, há crianças que podem não usá-los rotineiramente, informou a pesquisadora.
As questões embasaram as capacitações na perspectiva de contribuir para que os profissionais atuem nos serviços de saúde buscando mudanças efetivas nos níveis de saúde infantil no município, disse Fujimori.
Durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil, foi apresentado um outro estudo, em andamento na Escola de Enfermagem da USP, que busca aprimorar a atenção à criança. Intitulado “Qualificação das práticas do enfermeiro na promoção do desenvolvimento infantil integral”, o projeto é coordenado pela professora Maria de La Ó Ramallo Veríssimo e conta com financiamento da FAPESP e da FMCSV.
“A busca pela padronização da linguagem é algo recente, que está em construção na área de enfermagem. Uma linguagem científica unificada e mais ampla melhora a observação e refina as ações de enfermagem no atendimento a crianças de 0 a 3 anos”, afirmou Veríssimo.
Com base em uma revisão da literatura científica, o grupo propôs uma nova definição para o conceito de “desenvolvimento infantil” e elaborou um catálogo para ampliar a visão do profissional de enfermagem no atendimento realizado na rede de atenção básica à saúde.
“O novo conceito vai além do risco biológico, descrito com frequência na literatura, para abarcar a noção de riscos ambientais ao desenvolvimento infantil, que podem estar relacionados, entre outros, à gestação, ao parto, a doenças mentais maternas ou à falta de recursos para acesso a serviços de saúde”, disse Veríssimo.
O ponto de partida para a revisão do conceito foi a realização de entrevistas com profissionais que trabalham na rede municipal dos municípios de São Carlos, Itupeva, São José do Rio Pardo, Penápolis e Votuporanga. Todos já haviam participado de capacitação promovida pela FMCSV sobre a ampliação de ações de enfermagem, educação, assistência social e saúde em geral na prática de atenção à criança. Nas etapas seguintes, a equipe trabalhou com duas das classificações de Enfermagem mais conhecidas.
A classificação da North American Nursing Diagnoses Association – International (Nanda-I) foi revisada com a participação de 20 enfermeiros experientes na área de saúde da criança e validada por um grupo de especialistas. O trabalho foi realizado no projeto de doutorado de Juliana Martins de Souza.
A revisão da terminologia relativa a diagnósticos, resultados e intervenções no desenvolvimento infantil da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (Cipe) – programa do Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN, na sigla em inglês) – foi coordenada pela bolsista de doutorado Soraia Matilde Marques Buchhorn. O estudo contou com 84 questionários respondidos por enfermeiros, em duas etapas, e a validação de grupos de especialistas em cada etapa.
As classificações de diagnósticos de Enfermagem relativos ao desenvolvimento infantil foram sistematizadas e ampliadas, considerando impactos do ambiente sobre o desenvolvimento da criança. Outras mudanças importantes foram a distinção entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento e a ênfase na promoção do desenvolvimento por meio do estímulo à criança no ambiente familiar.
Dentre os produtos do projeto, haverá um aplicativo novo, que oferece ao profissional de enfermagem os possíveis diagnósticos e a lista de intervenções que devem ser consideradas na elaboração do plano de cuidados, segundo o modelo da Cipe. Também estão em andamento contatos com associações responsáveis pela sistematização e divulgação internacional das classificações revisadas.
(FAPESP)