Em 2008, só no estado do Rio de Janeiro, 12.089.739,85 toneladas de resíduos foram despejadas pelas indústrias e pelos processos de extração de minérios, segundo dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Nas sociedades contemporâneas, completamente dependentes do progresso, o lixo do desenvolvimento gera diversos problemas de saúde à população, além de causar danos ao meio ambiente. Contudo, como a responsabilidade socioambiental está em alta, medidas que minimizam essa poluição estão, cada vez mais, sendo adotadas pelas empresas. Wilma de Carvalho Pereira Bonet Guilayn, pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aposta na reintegração natural de áreas contaminadas por metais pesados, induzindo a atenuação da poluição, bem como o reaproveitamento econômico da região condenada.
"Desde 2001, com recursos de um convênio entre Fiocruz e FAPERJ e de outras instituições, venho estudando a dinâmica e a composição química de solos contaminados por metais pesados, a fim de propor um modelo de gestão que reintegre a área contaminada ao sistema produtivo", explica Wilma. "O que buscamos é conseguir reestruturar o solo para que certas espécies de plantas consigam se desenvolver", complementa. "A proposta seria estabelecer um tipo de cultura agrícola, que além de atenuar a poluição, atendesse somente à indústria, gerando renda e emprego. Como o cultivo de mamona para a produção de biodiesel", conclui.
Segundo Wilma, o projeto se desenvolveu graças ao apoio de outros grupos de pesquisa. "Fizemos importantes parcerias ao longo desses anos, como o auxílio do Departamento de Geografia e do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além da ajuda do Instituto de Agronomia e do Departamento de Solos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do apoio do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), entre outros".
Ela conta que a motivação do estudo foi perceber que algumas regiões contaminadas por metais pesados ficam sem supervisão, o que aumenta o risco da população próxima fazer uso da área para cultivo de alimentos ou criação de animais. Além disso, exposto à ação das chuvas, o solo contaminado sofre lixiviação – processo que movimenta elementos do solo, disseminando-os para o lençol freático e para as bacias hidrográficas. Somado a isso, a ação dos ventos também contribui para a dispersão dos resíduos para áreas adjacentes.
Quando os metais pesados se incorporam ao ecossistema, são absorvidos por vegetais e animais. O maior problema é que esses elementos são bioacumuláveis, ou seja, se acumulam nos seres vivos, que são incapazes de eliminá-los. Em níveis elevados, eles se tornam extremamente tóxicos ao organismo, causando diversas doenças, como lesões nos rins, no fígado, e problemas no sistema nervoso central.
A pesquisadora informa que seu objeto de estudo foi o passivo ambiental da Companhia Mercantil e Industrial do Ingá, que encerrou suas atividades de extração de zinco há mais de vinte anos. No início do projeto, Wilma fez a exploração da área e encontrou altas concentrações de metais pesados – como zinco, cádmio e chumbo – e ao estudar esses resíduos constatou que apresentavam características ácidas, o que deixa esses elementos mais móveis no solo. "A partir desse conhecimento, investimos na idéia de diminuir a acidez, acreditando na hipótese de reduzir a mobilidade do solo e assim retardar o processo de disseminação dos metais pesados", diz.
Para isso, Wilma levou para o laboratório, além de amostras desses resíduos, os rejeitos provenientes da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que também haviam sido estudados por ela e que apresentavam características alcalinas. Com os dois materiais, ela montou diversos modelos experimentais, simulando diferentes combinações. "O objetivo era chegar a uma disposição que fosse menos nociva ao ambiente, ou seja, que ficasse mais neutro, diminuindo a mobilidade dos elementos contaminantes", diz.
De acordo com a pesquisadora, o modelo mais eficaz foi a mistura dos resíduos de metais pesados com os rejeitos alcalinos, disposta sobre um tipo especial de argila – com elevada capacidade de absorver água e baixa permeabilidade. "Nesse modelo, observamos uma ‘cimentação’ natural, que diminui a infiltração da água e a mobilidade dos elementos no solo, o que, na prática, poderia frear a lixiviação", explica a pesquisadora.
Na etapa atual, Wilma estuda a adição de materiais orgânicos aos solos contaminados da região da Ingá. "O objetivo é formar um substrato, que proporcionasse os nutrientes necessários às plantas e promovesse a estabilidade dos elementos", explica Wilma.
O solo contaminado é acrescido de biossólido – lodo retirado da estação de tratamento de esgoto da Fiocruz e tratado para retirada de microorganismos patogênicos. A adição do biossólido além de deixar o solo mais capaz de desenvolvimento vegetal, pode contribuir para atenuar a poluição. "No experimento, já foram observadas bactérias capazes de obter energia a partir da oxidação de compostos inorgânicos, como os minerais que potencialmente contém metais pesados", acrescenta.
Nesse substrato obtido em laboratório, foram plantadas algumas espécies vegetais a fim de testar sua eficácia. "Buscamos saber se com a utilização desse "solo", será possível pôr em prática uma espécie de sucessão vegetal, ou seja, o desenvolvimento natural das comunidades de seres vivos, o que significa que aquele ecossistema se sustenta", explica a pesquisadora. "Para isso, a planta tem que crescer e formar raízes, que serão analisadas para constatar se houve ou não absorção de elementos potencialmente contaminantes do solo", complementa.
Wilma ressalta que a ideia é encontrar espécies vegetais que consigam se desenvolver nesse modelo de solo e que atendam à indústria, a exemplo das plantações de mandioca e de mamona direcionadas para a produção de etanol e de biodiesel, respectivamente. "Atualmente, há diversos destinos para os resíduos, como incorporá-lo ao cimento ou isolá-lo totalmente", diz. "A nossa proposta é implementar a regeneração da área contaminada e reintegrá-la economicamente à região", destaca.
Wilma acredita que o estado do Rio de Janeiro esteja voltando a ser um pólo industrial. "E como não há indústria sem resíduo, torna-se ainda mais importante definir medidas socioambientais sérias, que visem o reaproveitamento e o processamento dos resíduos industriais", sem esquecer do solo, que é o que sobra, quando toda as atividades cessam, conclui.
Fonte: Elena Mandarim, FAPERJ