As montanhas de espuma que descem pelo Rio Sarapuí, na altura da Chatuba, em Mesquita, logo após a barragem do Parque Nacional de Gericinó, não assustam Aroldo Edem Ferreira, de 62 anos. Em seu quintal, que faz divisa com a mata, ele usa a água do rio para dar de beber e lavar os cerca de 40 porcos que cria — em condições de fazer arrepiar até os mais experientes fiscais da vigilância sanitária — para vender. O espetáculo da tragédia ambiental não é novidade para quem vive às margens do rio.
— Moro aqui desde que nasci. Lá pelos anos 70, eu ainda nadava nesse rio. As águas eram limpas, mas, cada dia, estavam de uma cor — contou Aroldo, enquanto assoviava para chamar os porcos para comer.
Ele se refere à época em que a Fábrica de Tecidos Bangu funcionava a todo vapor, despejando no Rio das Tintas — o nome do principal formador do Sarapuí dispensa explicações — seus resíduos químicos. De 1889, quando foi fundada, a 2005, ano em que foi extinta, a Tecidos Bangu nunca apresentou preocupação com o meio ambiente. Relatório de uma das últimas vistorias da Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente) para o Plano de Despoluição da Baía de Guanabara, em 1997, revela que a fábrica ainda não havia iniciado obras de implantação do tratamento de despejos químicos.
Entre as 155 indústrias consideradas prioritárias para o controle da Feema na bacia dos rios Sarapuí e Iguaçu, está a Bayer. Instalada em 1958 em Belford Roxo, a empresa passou anos despejando substâncias químicas, em particular o cromo, no Sarapuí, até construir, em meados de 1980, uma estação de tratamento que minimiza a carga poluidora despejada no rio.
Os efeitos de anos de envenenamento são visíveis no Sarapuí. O rio, já moribundo alguns quilômetros após a sua nascente, chega morto à foz. Para a população ribeirinha, não se sabe exatamente o tamanho do estrago. A contaminação por metais pesados — que vão se acumulando no organismo — pode levar a uma série de doenças, que vão desde dores de cabeça crônicas, dificuldade de aprendizagem e insônia a câncer.
As indústrias, no entanto, não são as únicas fontes desses poluentes. No lixo jogado no rio estão eletrodomésticos e eletrônicos, pilhas, baterias e produtos magnetizados. Mercúrio, chumbo, cádmio, manganês e níquel são alguns dos metais pesados presentes nesses aparelhos. O chumbo é usado na soldagem de computadores, e o mercúrio está no visor de celulares.
Há 40 anos passando quase diariamente pela foz do Sarapuí, na Baía de Guanabara, para catar caranguejo no mangue, Agenor Duarte da Silva, de 76 anos, diz que há lixo de toda espécie jogado no rio.
— Por lá, você vê muito pneu, sofá, televisão, máquina de lavar, é um mar de sacos plásticos — contou ele, que mora desde os anos 50, à margem do Sarapuí, no Dique 2, em Duque de Caxias.
Sua vizinha, Adriana da Silva, de 39 anos, conta que não há coleta de lixo na comunidade:
— A gente joga no valão (como a maioria se refere ao rio) ou faz um monte e coloca fogo — explicou.
Assim como os dois filhos de Adriana, várias crianças em todo o curso do Sarapuí tomam banho nas água do rio. Brincam na espuma, atraídas pelo espetáculo da tragédia ambiental. Sem saber, podem estar engrossando os números de uma catástrofe sanitária.
Fonte: Jormal Extra