Nos últimos dias de 2009, as chuvas de verão deixaram um rastro de estragos pelo país, particularmente no interior de São Paulo e em alguns pontos da Costa Verde do Rio de Janeiro, como Angra dos Reis e Ilha Grande. Deslizamentos de encosta em diferentes regiões expuseram a combinação da ação humana e da fragilidade de certos tipos de terreno sob a ação das águas pluviais. No mesmo ano, o Instituto Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta-Planície (Reageo) foi transformado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de "Reabilitação de Encostas e Planícies" – numa iniciativa do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a FAPERJ.
Sob a coordenação do geotécnico Willy Alvarenga Lacerda, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe), a iniciativa exemplifica a preocupação em prevenir que esses tipos de incidentes continuem acontecendo.
O novo INCT, que reúne tanto pesquisadores de universidades fluminenses, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), quanto de outros estados, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), surge com o objetivo de desenvolver pesquisas e propor soluções para minimizar o risco de deslizamentos. "Catástrofes naturais nada mais são do que a continuação da evolução do planeta, com o movimento entre as placas continentais – soerguimentos e abaixamentos de extensas regiões. Isso significa que temos de nos preparar para enfrentá-los", fala o professor Willy.
Esse preparo inclui diversas medidas preventivas. "Há necessidade de prevenção e planejamento. As encostas da maioria das cidades do estado do Rio de Janeiro, especialmente as da região serrana, são suscetíveis a escorregamentos. Portanto, é preciso elaborar uma carta de riscos, traçada pelos órgãos competentes, e manter intensa fiscalização sobre regiões problemáticas. No município carioca, a Geo-Rio vem promovendo estudos de geotecnia através de convênios com as universidades cariocas, e aplicando a legislação sobre construção em encostas para evitar problemas futuros. Além disso, realiza obras de caráter preventivo e corretivo nas encostas de maior risco", diz o pesquisador.
Entre as pesquisas em andamento no INCT de "Reabilitação de Encostas e Planícies", há desde o desenvolvimento de um banco de dados de áreas onde já houve acidentes, incluindo todas as informações geradas para possibilitar seu monitoramento, até estudos sobre erosão e comportamento de solos, e ensaios sobre resistência dos materiais (rochas e solos) das encostas sob diferentes situações, entre diversos outros estudos. Outra vertente dos trabalhos é o desenvolvimento de tecnologias de reabilitação tanto para áreas escorregadas quanto para planícies contaminadas.
No Rio de Janeiro, em que o relevo de montanhas faz parte da paisagem, os deslizamentos não são raros. "O que aconteceu na Ilha Grande, por exemplo, foi a infeliz combinação de um solo raso, embora densamente vegetado, e água oriunda de fraturas da rocha (nascentes) na base da encosta, aumentando a pressão no contato da rocha com o solo já saturado, fazendo com que ele deslizasse", explica o pesquisador. Segundo Willy Lacerda, as raízes das árvores daquela área, curtas, não ofereceram resistência suficiente para impedir o escorregamento, que se deu abaixo das raízes. Chamada pelo governo do estado a fazer um estudo em Angra, onde as chuvas de fim de ano também fizeram estragos, a equipe do INCT apresentará, depois de analisar a área, proposta para zoneamento de risco e intervenção na área.
Caso semelhante, por exemplo, ocorreu em 1994, em um trecho da BR-101 nas proximidades de Mangaratiba. Além de colocar em risco um trecho da estrada, o escorregamento de solo resultou em 17 mortes. "Este escorregamento se deu no contato de rochas gnáissicas com o manto de solo saprolítico, que é aquele resultante da decomposição ou desagregação de rochas, num processo de milhares a milhões de anos. Durante chuvas intensas, esse solo saturou-se, tornando-se instável, e finalmente deslizou, destruindo casas e depositando-se no mar, de forma semelhante ao que ocorreu na Ilha Grande", explica. Foram feitas obras de estabilização para reabilitar a encosta e proteger a rodovia.
No terreno das soluções, a equipe do INCT de "Reabilitação de Encostas e Planícies" também vem trabalhando nos equipamentos usados pelos técnicos. Um deles é o piezocone ambiental, que permite verificar a presença de certos tipos de poluentes e mede a resistência dos solos. Outro equipamento melhorado foi um Vane-Test elétrico, que agora passa a medir a resistência de solos argilosos ao longo de uma vertical sem interferência de atrito das hastes do aparelho.
Para alguns aperfeiçoamentos, estuda-se o pedido de patente, como no caso do novo equipamento para ensaios de deformação plana, que utiliza uma simples adaptação do aparelho para ensaios triaxiais convencionais. "Comparado aos convencionais, o novo aparato é de custo mais baixo, de fácil construção e operação", explica. Outro equipamento para o qual houve solicitação de patente é o "expanso-colapsômetro", que permite medir "in situ" o colapso ou a expansão de solos não saturados quando inundados, em várias profundidades. Foi ainda desenvolvido um piezocone de impacto, para medir a resistência do solo argiloso sob grandes lâminas de água. Tem aplicação na indústria petrolífera offshore.
Para o pesquisador, tudo isso faz parte de um conjunto de medidas necessárias. "Precisamos avançar na prevenção. Obras permanentes, como a drenagem e dragagem de rios, medidas que evitem o assoreamento de rios e lagoas, a estabilização de saibreiras e encostas, e o intenso reflorestamento de diversas áreas podem reduzir o impacto de fenômenos naturais e principalmente minimizar seus efeitos", finaliza.
Fonte: Vilma Homero, FAPERJ