Cada ponto de alagamento formado na cidade de São Paulo após uma chuva forte provoca um prejuízo diário de mais de R$ 1 milhão ao país. Com 749 pontos de alagamento identificados na cidade, as perdas anuais no âmbito do município chegam a quase R$ 336 milhões. E, com o espraiamento dos efeitos pelas longas cadeias de produção e renda, o prejuízo vai a mais de R$ 762 milhões em escala nacional.
As informações fazem parte de um estudo realizado por Eduardo Amaral Haddad, professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e por Eliane Teixeira dos Santos, mestranda em Teoria Econômica, orientada por Haddad. Um artigo assinado por ambos, “Economic Impacts of Natural Disasters in Megacities: The Case of Floods in São Paulo, Brazil” (Impactos Econômicos de Desastres Naturais em Megacidades: O Caso das Inundações em São Paulo, Brasil), está prestes a ser publicado em número especial da revista Habitat International.
Haddad é coordenador de economia e pesquisador na área de Economia das Mudanças Climáticas do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), que conta com apoio da FAPESP. Ele também coordena a área de economia da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
O estudo do impacto econômico dos alagamentos em São Paulo, realizado por Haddad e Santos, poderá subsidiar a tomada de decisões nas várias instâncias do governo para minimizar os efeitos das mudanças climáticas globais. Projeções decorrentes de estudos mais abrangentes indicam um aumento na frequência e intensidade de eventos extremos de curta duração e anunciam que o número de dias com chuvas fortes deverá crescer até o final do século. Os paulistanos e os mais de 1 milhão de moradores dos municípios vizinhos que acorrem diariamente a seus postos de trabalho na cidade de São Paulo terão que se preparar para esses eventos, inevitáveis.
Ao longo das primeiras seis décadas do século 20, houve pouquíssimas ocasiões em que as chuvas na cidade de São Paulo excederam a marca dos 80 milímetros por dia – na média, apenas uma por década, desde os anos 1930, quando as medições começaram a ser feitas com regularidade. Esse número, no entanto, começou a aumentar a partir do início dos anos 1970. E somou nada menos do que nove ocorrências na primeira década do século 21. Os violentos temporais que já caíram nos primeiros meses de 2013 são um sintoma dessa tendência.
Haddad disse à Agência FAPESP que o estudo chegou a cinco conclusões principais. “As enchentes contribuem para reduzir o crescimento da cidade e o bem-estar da população; os alagamentos aumentam os custos das empresas instaladas em São Paulo e prejudicam sua competitividade nos mercados doméstico e internacional; os efeitos não são apenas locais, mas se espraiam por meio de longas cadeias de produção e renda; para avaliar todos os efeitos, é preciso considerar as interações internas e externas ao sistema urbano; e, dado o espraiamento dos efeitos, a busca por soluções requer a coordenação de esforços dos poderes municipal, estadual e federal.”
O estudo dos dois pesquisadores avaliou os impactos econômicos das inundações na cidade de São Paulo por meio de um modelo espacial de Equilíbrio Geral Computável (Computable General Equilibrium – CGE) integrado aos dados de um Sistema de Informação Geográfica (Geographic Information System – GIS) relativo ao município.
Com essa ferramenta, capaz de sintetizar informações econômicas e geográficas por meio de avançados recursos computacionais, os pesquisadores localizaram 749 pontos de alagamento na cidade de São Paulo e todas as empresas situadas em raios de até 200 metros em torno de cada um deles, que são aquelas diretamente afetadas. A definição do raio a ser considerado foi feita a partir de visita de Santos a áreas tradicionalmente impactadas.
Os pesquisadores trabalharam com dados de 2008. Mas uma atualização, até 2013, está sendo finalizada e será apresentada em breve na dissertação de mestrado de Santos. A estimativa do prejuízo de mais de R$ 1 milhão por ponto de alagamento ao dia faz parte desse novo conjunto numérico.
“Note que medimos apenas as perdas decorrentes das interrupções da produção, do comércio e dos serviços. Não computamos os gastos com danificação de edifícios, veículos e equipamentos; destruição de mercadorias, bens particulares e instalações públicas; atendimento à saúde das pessoas afetadas; e tantos outros”, sublinhou Haddad.
Com 39 municípios em intenso processo de conurbação e cerca de 20 milhões de habitantes, a região metropolitana de São Paulo é, atualmente, a quarta maior aglomeração urbana do mundo. Como também ocorreu em outras das chamadas “cidades globais”, o centro de gravidade de sua atividade econômica migrou, nas últimas décadas, da produção de mercadorias para prestação de serviços.
A cidade de São Paulo, núcleo da região metropolitana, está diretamente envolvida em 14,1% de todos os fluxos comerciais do país, com parceiros no Brasil e no exterior. Ao mesmo tempo, o setor produtivo se fragmentou, com a produção de componentes em diferentes estabelecimentos, integrados em longas cadeias de valor, que extrapolam os limites geográficos da região metropolitana e mesmo do estado. Tudo isso e o deslocamento diário de trabalhadores entre vários municípios dentro e fora da região metropolitana fazem com que um evento como o alagamento em ponto específico da cidade tenha, eventualmente, repercussões em escalas estadual, nacional ou até mesmo internacional.
“A situação é agravada pelas transformações que uma urbanização não planejada ou mal planejada ocasionou no uso da terra, com a ocupação e a impermeabilização das várzeas dos rios, em especial da bacia hidrográfica do Alto Tietê, e a consequente redução da drenagem das águas pluviais durante as chuvas fortes. E pelas ‘ilhas de calor’, geradas na área metropolitana em decorrência da própria aglomeração urbana, que contribuem para a ocorrência e intensificação dos eventos extremos”, acrescentou Haddad.
Segundo o pesquisador, a conclusão central do estudo é a de que, apesar de aparentemente local, o fenômeno das enchentes em São Paulo não pode ser equacionado em escala restrita, em razão de suas interações dentro e fora do sistema urbano. “Medidas relativas ao planejamento e ao controle do uso da terra precisam ser executadas em paralelo com projetos de engenharia que promovam a drenagem. Mas a compreensão de que o problema repercute muito além dos limites do município exige a coordenação de esforços nas esferas municipal, estadual e federal.”
Fonte: Agência FAPESP