quinta-feira, 4 de abril de 2013

Trânsito, uma guerra que precisa acabar

O trânsito mata em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os acidentes com veículos foram responsáveis por 1,3 milhão de mortos em 2009, ocupando o nono lugar entre os maiores fatores de mortalidade do planeta. A seguir esse ritmo, a OMS projeta que serão 2,4 milhões de mortos em 2030, passando a ocupar a quinta posição. Se não bastassem esses números alarmantes, os acidentes no trânsito ferem de 20 milhões a 50 milhões de pessoas a cada ano em todo o mundo. Os dados são assustadores, principalmente quando comparamos com outras causas de morte não naturais. A Guerra do Iraque, por exemplo, matou cerca de 100 mil pessoas entre 2003 e 2009.



Por esse motivo, em maio passado, a ONU lançou o programa Década de Ações de Segurança no Trânsito, que reúne mais de 160 países. O objetivo é reduzir pela metade o número de mortes causadas por acidentes entre 2011 e 2020. Segundo a organização, as fatalidades no trânsito estão entre as principais causas de morte de pessoas com idade entre 5 e 44 anos, causando um prejuízo global superior a 500 bilhões de dólares todos os anos.

Para que a campanha tenha sucesso, foram definidas algumas atividades que podem diminuir esses índices: incrementar a capacidade de gerenciar segurança nas estradas e vias urbanas, melhorar as condições das faixas de rolamento, aumentar sistemas e itens de segurança dos veículos, principalmente quando saem da fábrica, desenvolver e educar o comportamento de motoristas e da população em geral e aperfeiçoar o atendimento e os cuidados às vítimas de acidentes envolvendo veículos — tanto os que estão dentro quanto fora deles.


A situação no Brasil está longe de ser exemplar. De acordo com o relatório Global Status Report on Road Safety 2009, da OMS, o país ocupa um nada honroso quinto lugar entre os países que produzem mais mortos no trânsito. E o problema é especialmente grave nos chamados países “em desenvolvimento”. Os dez primeiros colocados são responsáveis por 62% das mortes em todo o mundo e a maioria deles é definida como “desenvolvidos”.

As estatísticas de trânsito no Brasil ainda não são precisas e inexiste um trabalho constante de levantamento dos números. Quem melhor controla esses números é a Líder Seguradora, um consórcio de 71 seguradoras brasileiras que administra o chamado “seguro obrigatório”.

Como se trata de um seguro social, o DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) contempla, em caráter nacional, os acidentados em trânsito, mesmo aqueles que estão inadimplentes. Assim, os pedidos de indenização refletem com fidelidade os acidentes e suas consequências. Em 2010, a Líder pagou 50.780 indenizações por morte, além de mais de 151.000 indenizações por invalidez permanente. E a tendência é crescente, motivada pelo aumento da frota de veículos e pelo mau comportamento dos motoristas no trânsito. No primeiro semestre deste ano, o DPVAT indenizou 26.894 mortes, o que significa dizer que, a cada dez minutos, há uma vítima fatal nas ruas brasileiras.

“A maneira mais eficiente de diminuir os acidentes de trânsito é a educação, base de um processo longo, cujo resultado é demorado”, diz Patrícia Gejer, especialista em segurança viária do Cesvi Brasil (Centro de Experimentação e Segurança Viária). “E a educação deve andar de mãos dadas com a fiscalização e a punição.” Um exemplo bem-sucedido de mudança de mentalidade foi a obrigatoriedade do cinto de segurança. Patrícia revela que uma recente pesquisa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia apontou que 88% dos ocupantes da frente dos carros usam cinto de segurança. O mesmo não acontece com os passageiros de trás. “É importante fazer campanhas constantes, não só em datas especiais, como no Carnaval”, diz.

Faz sentido. O Programa de Proteção ao Pedestre, lançado pela Prefeitura de São Paulo em maio passado, faz cumprir as regras relativas ao uso da faixa de pedestres por meio de fiscalização e punição. Ele já apresentou, segundo estudo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), tendência de redução de 71% de mortes por atropelamento.

A ocorrência de vítimas de acidentes, segundo Patrícia, é maior na faixa etária de 15 a 29 anos, especificamente entre homens solteiros. “O motivo principal é a imprudência, que gera excesso de velocidade, falhas na manutenção do veículo e uso do celular ao volante”, completa. Um dado importante em relação aos acidentes envolve as motocicletas. Segundo a Líder, elas representam apenas 26,8% dos veículos em circulação no Brasil. Mas foram responsáveis por 56,6% do total das indenizações pagas. Esse dado está diretamente ligado a questões econômicas: as motocicletas são mais baratas e, nas áreas mais carentes do país, são utilizadas inadequadamente: “Os condutores não usam capacete, levam três, quatro pessoas na moto, não fazem manutenção adequada e as vias públicas não estão em bom estado”, afirma Patrícia.

A questão dos acidentes não se restringe aos prejuízos físicos. Segundo Márcio Norton, diretor de relações institucionais da Líder, há uma grande perda financeira. “Quantos hospitais, metrôs, faculdades e outros investimentos poderiam ser feitos com estes recursos? O acidente não é uma força da natureza que não se pode controlar. É resultado do nosso comportamento, da imprudência, da embriaguez ao volante e do excesso de velocidade”, ressalta.

Segundo a Líder Seguradora, em 2010 foram pagos quase R$ 2,3 bilhões em indenizações por morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas e hospitalares, em favor de mais de 252.000 vítimas de acidentes de trânsito ou beneficiários. Neste ano, já houve acréscimo: de janeiro a junho, cerca de R$ 1,1 bilhão foi destinado ao pagamento das indenizações, valor que supera em R$ 15 milhões o valor pago no mesmo período do ano passado.

Dificilmente os motoristas têm consciência da gravidade que representam os acidentes de trânsito no Brasil e no mundo. Há uma sensação generalizada de segurança que não corresponde à realidade. Essa falsa consciência faz parte da vida das pessoas que circulam no trânsito. Ao contrário do que ocorre na Noruega e na Suécia, países com baixíssima incidência de trânsito. Lá, todos os motoristas circulam sempre, dia ou noite, com as faróis dos carros ligados. Este é só um exemplo de uma cultura mais do que consolidada na população: a de entender que a segurança no trânsito se dá pela somatória de pequenos detalhes e providências — como, por exemplo, usar o cinto de segurança. Bem, ao menos o cinto já está incorporado à nossa cultura, embora somente nos bancos da frente. No entanto, o problema não está só no comportamento dos motoristas. É preciso que essa conscientização seja formada também por ações do governo, cujo papel não se resume a fiscalizar e punir, mas também a educar, divulgar ações de segurança, fazer campanhas e manter em boas condições as vias públicas. Mas tudo isso ainda está longe de acontecer...


Fonte: Terra