Apesar desse cenário, agravado pela elevada taxa de abandono do tratamento, que resulta no aparecimento de bactérias resistentes aos fármacos de primeira linha, pela demora no diagnóstico e pela baixa efetividade dos programas de controle da doença, o País não produz nenhum dos princípios ativos que entram na formulação dos medicamentos utilizados no tratamento de doenças tropicais/negligenciadas. Os quatro usados nos medicamentos para o tratamento da tuberculose – rifampicina, isoniazida, etambutol e pirazinamida – são totalmente importados, principalmente da China e da Índia.
Para tentar suprir essa lacuna de mercado, o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Claudio Costa Neto coordena, no Instituto de Química da universidade, um projeto de pesquisa, em parceria com a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP) e o Instituto Vila Rosário (IVR), que visa prover o Brasil com uma “Garantia de Tecnologia para a Produção de Fármacos Estratégicos”, pelo desenvolvimento de rotas inovadoras, que empreguem matérias-primas produzidas no País.
O projeto teve início com a produção da pirazinamida. Esse princípio ativo, como os outros mencionados anteriormente, é hoje completamente importado, o que poderá trazer dificuldade ao País para o tratamento da tuberculose no caso de os atuais fornecedores, por qualquer razão, deixarem de fornecê-la. “A garantia da existência da tecnologia no País, particularmente por meio de processos inovativos, com equipamentos de última geração, poderá suprir, em qualquer ocasião, a lacuna que vier ocorrer no fornecimento destes fármacos”, resumiu Costa Neto.
A partir dessa meta, foi adquirido, no primeiro semestre de 2013, com recursos concedidos pelo programa Apoio à Pesquisa Básica (APQ 1), da FAPERJ, um equipamento de última geração para acelerar o processo de síntese do fármaco, que vem sendo testado no Polo de Xistoquímica da UFRJ. Trata-se de um microrreator de fluxo, de origem inglesa, capaz de operar em temperaturas que podem variar de -15°C a 50°C, e com pressões que alternam da ambiente a 20 bar. Essas condições permitem a redução no tempo das reações químicas e o consequente aumento da produtividade. “Utilizando o fluxo contínuo de reagentes, o equipamento representa um salto de qualidade no projeto”, avaliou Costa Neto.
De acordo com o pesquisador, a pirazinamida foi escolhida por ser uma molécula simples para síntese. “Primeiro, estamos concentrados no desenvolvimento da rota de síntese da pirazinamida a partir de matérias-primas nacionais. Espera-se que em dois anos a produção industrial tenha sido estabelecida. Ao mesmo tempo, o projeto deverá se expandir para a produção de outros fármacos, particularmente as fluoroquinolonas, utilizadas no tratamento da tuberculose resistente e, mais tarde, de fármacos usados para o tratamento das outras doenças negligenciadas”, adiantou Costa Neto.
A tecnologia desenvolvida na UFRJ, patenteada, será usada pela FAP. “A expectativa é que a FAP produza, inicialmente, a pirazinamida necessária ao consumo no País, que pode ser estimada, hoje, em cerca de seis toneladas anuais. Assim, esperamos chegar à autossuficiência na produção desse fármaco”, disse Costa Neto.
A instituição é responsável pela fabricação da vacina BCG (Bacilo de Calmette-Guérin) aplicada no País para a prevenção da tuberculose. Para o presidente da FAP, Germano Gerhardt Filho, o projeto é relevante, já que o Brasil não produz quase nenhum insumo básico para medicamentos utilizados no tratamento da doença. “A produção de pirazinamida demonstra o investimento da FAP em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia para combater a tuberculose”, destacou.
Por sua vez, o IVR mantém um programa de vigilância da tuberculose na comunidade de Vila Rosário, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ali, onde vivem cerca de 42 mil pessoas, Costa Neto – também presidente do IVR – coordena um programa de erradicação da tuberculose, que já vem gerando resultados. Cerca de 15 agentes comunitários realizam um trabalho de extensão, visitando os moradores e levando assistência ao tratamento. “Quando começamos o trabalho de orientação e acompanhamento aos moradores de Vila Rosário com tuberculose, a taxa de incidência da doença era de 196 casos para cada 100 mil habitantes. Hoje, esse número caiu para 40”, ressaltou.
Costa Neto, autor do livro Tuberculose e miséria, defende a necessidade da implantação de uma indústria farmoquímica no País voltada para a produção dos insumos farmacêuticos ativos usados no tratamento das doenças tropicais/negligenciadas – tuberculose, malária, leishmaniose, dengue, esquistossomose, Chagas e hanseníase, entre outras. Elas despertam pouco interesse para a grande indústria, devido ao seu baixo preço de venda e lucro, e por contar com um único comprador, o governo. “Difícil pensar em desenvolvimento em meio a tanta doença, o que faz a produção destes fármacos ser vital no processo de desenvolvimento do País”, destacou Costa Neto. Ele enfatiza, no entanto, que a verdadeira doença, causadora de todas as demais, é a miséria. “Com a eliminação da miséria viria a eliminação de todas essas doenças. Mas acabar com a tuberculose é o caminho para se acabar com a miséria? Ou será que acabar com a miséria é o caminho para acabar com a tuberculose?”, ponderou.
Fonte: FAPERJ