terça-feira, 27 de maio de 2014

Arroz e feijão no McDonald’s podem ser reflexos de mudança de hábito do consumidor, dizem especialistas

Além dos hambúrgueres e das fritas que fazem sua fama, o McDonald’s agora tem em seu cardápio no Brasil pratos executivos, vendidos a R$ 23. Sem anúncios publicitários nem destaque nos painéis luminosos das lojas, o “Mc PF” tem a brasileiríssima dupla arroz e feijão, acompanhados de salada e uma carne, que varia diariamente entre o hambúrguer do Big Mac, o do McChicken (frango) e o filé do McFish (peixe). Para beber, o cliente pode escolher água ou suco. E, na sobremesa, maçã. Segundo a rede, o prato é comercializado desde 2010, mas só este ano chegou a todas as unidades da empresa. Embora os índices de obesidade e do consumo de industrializados sejam ainda alarmantes no país, há sinais, como esta novidade, de uma mudança de hábitos da população brasileira, que consome menos refrigerantes e parou de engordar, segundo dados recentes.



- A população está mais consciente e sabedora do que é importante para a sua saúde. Ela tem mais informação sobre os alimentos benéficos e que devem ser consumidos no dia a dia. A mudança da oferta é uma consequência da busca do consumidor por produtos que tenham uma identidade cultural mais próxima - defende Isabela Bussade, professora de pós-graduação de Endocrinologia da PUC-Rio.

Não é apenas o McDonald’s que vem se adequando. Isabela conta que tem notado mais iniciativas por parte das grandes empresas no intuito de oferecer refeições mais equilibradas:

- É uma medida bem-vinda, assim como quando colocaram salada no cardápio. Não deixa de ser um ganho social. Certamente a rede está perdendo mercado.

O McDonald’s nega que a medida tenha sido em função de ameaças ao negócio e explica que há quatro anos começou a implementação do menu.

“Servimos para o cliente o que servimos internamente, e vice-versa. O prato, no entanto, não é e nem deve ser anunciado pela loja, já que não faz parte da ‘estratégia de marketing’ nem é a especialidade do McDonald’s”, explicou, em nota, Ana Apolaro, diretora de Recursos Humanos da empresa.

O “McPF” vendido aos consumidores é o mesmo que os funcionários da rede comem em seus expedientes, de acordo com a empresa. O seu lançamento ocorreu depois de a rede aderir, em meados de 2010, ao Programa Alimentação do Trabalhador (PAT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que concede benefícios fiscais às empresas que se comprometerem a fornecer “refeições dignas” aos seus empregados.

- Esse foi um processo longo, com muitas idas e vindas. E foi só no começo deste ano que conseguimos fazer o McDonald's se enquadrar às regras do PAT. Eles recebem um benefício fiscal vultuoso por terem aderido ao programa - destaca Viviane Fortes, chefe de fiscalização do MTE.

Na verdade, desde 2004, quando foi lançado o documentário americano “Super Size Me”, a rede vem tentando se livrar da imagem de algoz dos problemas de saúde ligados à má alimentação. Na ocasião, o cineasta Morgan Spurlock resolveu ser cobaia de um experimento em que, por um mês, consumiu apenas produtos do McDonald’s. As cenas não são nada agradáveis. A empresa foi usada como um símbolo para atingir toda a indústria de fast food, que contribui para o aumento dos índices de obesidade e hipertensão, por exemplo.

No ano passado, a rejeição da população da Bolívia à rede obrigou-a a fechar as portas. Sessenta por cento da população do país são indígenas e não se adaptaram à comida pronta.

No Brasil, o negócio ainda é forte, mas também apresenta sinais de recuo. A empresa Arcos Dorados, dona da master-franquia do McDonald’s, registrou um lucro de 8% em 2013 no país - o equivalente a US$ 188,4 milhões. Trata-se, no entanto, da menor taxa de crescimento entre os mercados onde atua a companhia.

Para o médico e professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da UFRJ Marcus Leitão, não é hora de comemorar uma mudança definitiva de hábitos do brasileiro. O endocrinologista, no entanto, ressalta que há uma crescente conscientização sobre como levar saúde à mesa.

- Existe um esforço para educar a população, conduzido por sociedades médicas como as de Cardiologia e Endocrinologia - elogia. - Mostramos as consequências maléficas de obesidade e má alimentação e percebemos como ainda precisamos avançar entre as classes sociais mais baixas.

Nos últimos anos, por exemplo, algumas medidas do governo federal tentam frear o avanço da obesidade e da hipertensão. Foram estabelecidas metas de redução de sódio, açúcar e gordura trans dos produtos industrializados. Os números também começam a apresentar ligeira melhora.

A proporção de adultos obesos e com excesso de peso parou de crescer este ano nas capitais brasileiras: hoje são 17,5% e 50,8% da população, respectivamente. Entre 2006 e 2012, a proporção de adultos com excesso de peso subiu de 42,6% a 51%, e a de obesos, de 11,8% para 17,4%. Os dados são da Pesquisa da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgada em abril.

Mas o desafio ainda é grande. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada entre 2008 e 2009, houve uma redução de 19,4% na compra de cereais e leguminosas, grupo em que se encaixam arroz e feijão; enquanto que produtos preparados e misturas industriais (os industrializados) tiveram um aumento de 37%. Especialistas creditam isso ao avanço da classe C, com maior poder de compra, mas ainda alheia aos benefícios para a saúde da alimentação mais saudável.

Conseguir comprar o prato feito, porém, não é uma tarefa simples. Repórteres do GLOBO fizeram o pedido em lojas da rede no Rio e em São Paulo e provocaram risos e estranhamento entre os atendentes. Em uma loja na Zona Sul da capital paulista, a gerente precisou intervir para confirmar a existência da refeição no menu. A jornalista, porém, não pôde comer, porque o prato só é serviço a partir das 14h, para “não atrapalhar a cozinha”.

Em uma unidade no Centro do Rio, o pedido passou por três pessoas e demorou 20 minutos até ser servido. Como a refeição ainda não está cadastrada na loja, o jornalista não precisou pagar por ela.


(O Globo)