terça-feira, 26 de agosto de 2014

Indústria não cumpre acordo de redução de sódio em alimentos

De 291 alimentos industrializados, de 90 marcas, testados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), entre março e abril, 27 deles apresentam variação de mais de 20%, para mais ou para menos, do teor de sódio declarado em seus rótulos. Para o teste, foram selecionados produtos de todas as categorias de alimentos incluídas nos acordos voluntários para redução de sódio firmados entre a indústria e o Ministério da Saúde. Os casos mais graves, obviamente, são os que apresentarem teor de sódio maior de 27,8% a 66,3% do informado na rotulagem do alimento, por se tratar de uma questão de saúde pública, e inclui dez produtos fabricados por Frigor Hans, Ceratti, Batavo, Seara, Renata, Elegê, Panco e Aurora.

— Com certeza, o excesso de sódio é pior para a saúde, pois o consumidor acha que está consumindo menos sódio quando, na verdade, pode estar ingerindo mais de 50% do valor informado no rótulo — ressalta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.

Os resultados dos testes nos laboratórios foram comparados com a informação da tabela nutricional indicada no rótulo dos produtos, tendo em vista as regras da RDC número 360 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Na pesquisa anterior, nós avaliamos apenas a informação de rotulagem de sódio em relação às metas de redução, não fizemos teste em laboratório. Com essa pesquisa, podemos concluir que nem sempre as informações do rótulo são confiáveis — ressalta Ana Paula

Segundo o Idec, isso caracteriza desrespeito ao direito de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). O instituto ressalta que a diferença descumpre ainda a Resolução número 360/2003 da Anvisa, que estabelece regras para a rotulagem nutricional e a margem de tolerância.

Na avaliação da nutricionista, o fato de ser de menos de 10% o percentual de produtos com erro de rotulagem, chama atenção o fato de itens de marcas conhecidas apresentarem diferenças superiores a 50% do teor declarado de sódio. Noventa por cento dos produtos são de origem animal, com destaque para salsicha. A maioria ultrapassa em 40% o teor do nutriente informado na embalagem.

— Os brasileiros já consomem o dobro da quantidade de sódio recomendada pela OMS (que é de 2g) e o consumo de sódio já incluído em produtos industrializados está aumentando no país. Por isso, precisamos de informações claras e corretas nos rótulos desses produtos. Para quem tem pressão alta e necessita ter o consumo de sódio controlado, isso é ainda pior — diz a nutricionista.

A especialista afirma, no entanto, que mesmo nos casos em que o erro aponta para um teor de sódio menor do que indicado é grave, isto porque, avalia, “o erro abre brechas para se desconfiar da informação”.

A Anvisa admite uma variação de 20% para mais ou para menos nas informações da rotulagem para compensar as diferenças que podem ocorrer nos métodos empregados para apurar o conteúdo nutricional. A margem, de acordo com a agência, está prevista nas referências do Codex Alimentarius, coletânea de padrões reconhecidos internacionalmente, que estabelece códigos de conduta, orientações e outras recomendações relativas a alimentos e segurança alimentar.

Quando irregularidades de rotulagem nutricional são identificadas nas ações fiscais, são aplicadas as penalidades previstas na Lei no 6.437/1977. Contudo, o Idec vê problemas na fiscalização do processo.

Os resultados do teste foram enviados para Anvisa, Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Procon-SP e Procon-RJ. O Idec solicitou aoss órgãos que investiguem os problemas de composição nutricional evidenciados, com o objetivo de prevenir falhas e assegurar que as informações passadas ao consumidor sobre as características dos alimentos sejam corretas, informa Ana Paula Bortoletto.

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) afirmou desconhecer a metodologia do teste e disse que teve conhecimento apenas pela imprensa. "A entidade conta com 140 empresas associadas, as quais representam 70% do faturamento do setor alimentício do País e considera que a amostra de 291 produtos de 90 marcas é um universo restrito e não representa de forma ampla a quantidade de produtos consumidos pela população brasileira nem contempla o total de indústrias alimentícias instaladas no País, que hoje é de mais de 32 mil empresas produzindo milhares de produtos", disse a nota, que afirmou ainda que a associação trabalha há sete anos em parceria com o governo para ter uma alimentação mais saudável e disse que a maior parte do sódio consumido pelo brasileiro advém do sal cozinha. "Ou seja, o sal consumido pelo brasileiro a partir dos produtos industrializados corresponde somente a 23,8%", conclui a nota.

A JBS Foods, que responde pela Seara, ressalta que o Idec analisou onze produtos de sua fabricação e que apenas três não apresentaram resultados compatíveis com a rotulagem, o que a empresa avalia pode ter ocorrido em decorrência de variação da leitura em diferentes tipos de metodologias. A fabricante informa que manteve contato com o instituto para conhecer a metologia empregada e que paralalelamente está ampliando a amostragem laboratorial para estudar as variações apontadas pelo levantamento do Idec, e se aplicável, a empresa aprimorará a rotulagem.

A Cooperativa Central Aurora Alimentos afirma que assim que tomou conhecimento desta informação, coletou novas amostras do produto para avaliação e, sendo confirmado este desvio, fará as correções necessárias na tabela de valor nutricional o mais breve possível. "Conforme já respondido ao Idec, a preocupação da Aurora Alimentos é sempre apresentar as informações relativas aos seus produtos de forma clara aos consumidores". No caso do produto em questão, linguiça frescal toscana, "apesar de, pelos resultados apresentados, atendermos o acordado com o Ministério da Saúde e Anvisa no que tange os Acordos de Redução de Sódio, entendemos o desvio observado em relação à RDC 360/2003."

A Selmi, que responde pela marca Renata, informa que a partir do teste realizou análise técnica das rotulagens dos produtos avaliados – mistura para bolo Renata sabor côco e mistura para bolo Renata sabor chocolate — e constatou que os valores demonstrados pelo Idec correspondem ao produto exposto à venda, seco. Porém, segundo a empresa, o acordo com o Ministério da Saúde se constitui em parâmetros do produto pronto para consumo, ou seja, preparado e assado. Sendo assim, na avaliação da fabricante os valores informados na embalagem respeitam os padrões acordados. A Selmi informou ainda que solicitou ao Idec retificação dos números e das conclusões apresentadas.

A Ceratti informa que segue rigorosos controles de qualidade e cumpre as disposições legais e regulamentares aplicáveis. Consultada a Panco ainda não responderam sobre o resultado do teste. Não foi localizado nenhum porta-voz da Frigo Hans para comentar a pesquisa.


(O Globo)