quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Pesquisa revela que 88% dos cariocas fariam sexo sem camisinha no carnaval

“Ter sempre uma camisinha no bolso é um ato de amor próprio”. A frase do universitário carioca Guilherme Silviano, de 23 anos, é o que todo pai ou médico querem ouvir. Ciente de que usar preservativo nas relações sexuais é a melhor forma de se prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e uma gravidez indesejada, o estudante de Comunicação não dispensa a borracha e ainda dá bronca nos amigos que, como descreve, insistem em “brincar de roleta russa” com a Aids, principalmente durante o carnaval, quando cresce o número de relações.

— Fico abismado. Vejo que a maior preocupação de algumas amigas é com a gravidez, então só tomam anticoncepcional e se esquecem das DSTs — comenta o estudante, que faz estágio na Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual do Rio (CEDS). — Digo para elas que é importante estar com a camisinha no bolso, para não deixar a decisão para a hora H, quando é mais difícil

O comportamento perigoso, infelizmente, não é só dos amigos de Guilherme. Uma pesquisa encomendada pelo GLOBO ao Laboratório de Pesquisa da UniCarioca revelou que 53% fizeram sexo sem camisinha sempre ou diversas vezes no último ano — se contados os que deslizaram pelo menos uma vez, o percentual sobe para 75%. Também 88% dos cariocas aceitariam ter um relacionamento com um parceiro que não queira usar a camisinha, sendo que 38% confessaram que fazem isso sempre ou com certa frequência. O estudo entrevistou 1.074 pessoas, no fim do mês de janeiro, em diferentes regiões do Rio — 73% delas eram jovens de 18 a 29 anos.

A diretora do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids) no Brasil, Georgiana Braga-Orillard, chama a atenção para o fato de que o grupo de jovens infectados, especialmente o dos homens que fazem sexo com homens, é o que mais cresce.

— Esses jovens são conectados, então o problema não é o acesso à informação. Precisamos tentar entender como atingir essas pessoas e fazê-las transformar esse conhecimento em atitude prática — raciocina Georgiana. — Essa geração, que não viu seus ídolos morrerem de Aids, acha que, hoje, essa é uma doença fácil de ser contornada. Isso não é verdade.

Segundo a pesquisa, os principais motivos que levam os cariocas a transar sem a camisinha são: se o preservativo interferir no prazer (26%), se o parceiro resistir ou não gostar de usar (24%), ou se diminuir a ereção (10%). Para o sexólogo Amaury Mendes Junior, a vaidade e a afobação poderiam ser acrescentadas à lista. 

— No consultório, vejo que tanto os homens como as mulheres andam muito preocupados com o desempenho sexual. Parece que cama virou palco, e, nesse espetáculo, a camisinha está sendo deixada de lado — comenta Mendes Junior, professor do Ambulatório de Sexologia da UFRJ. — A menina apaixonada quer que tudo seja natural e acha que a camisinha estraga o clima. Ela também se preocupa com a concorrência: “Se eu não topar, ele vai procurar outra”. Já o garoto não quer perder a oportunidade de se exibir para a gata.

As DSTs parecem realmente não ser um problema na cabeça dos cariocas. Quando indagados sobre as razões que os fazem usar a camisinha, 67% responderam que a têm como obrigação só quando não conhecem o parceiro ou no início de uma relação. O medo da gravidez veio logo atrás (21%), mas só 12% dos cariocas usam camisinha por medo de contrair doenças. Mais: 44% concordam que no carnaval as pessoas transam mais sem camisinha, motivo de alarme entre as autoridades.

Dados nacionais, de fato, revelam um certo apreço do brasileiro pelo risco. Uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde no fim do mês passado mostrou que 45% da população sexualmente ativa do país não usaram preservativos nas relações sexuais casuais nos 12 meses anteriores, apesar de a maior parte (94%) saber que a camisinha é melhor forma de prevenção contra a Aids e outras DSTs. Amanhã, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, apresentará o recorte regional do Rio. O evento será às 10h30m, no Palácio do Samba, na quadra da escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

Lá, será lançada a nova campanha do Ministério da Saúde de combate às DSTs. As ações de carnaval serão focadas não só na prevenção, mas também na testagem e no tratamento. É a campanha “#PartiuTeste”, que pretende informar o jovem sobre a importância da camisinha, incentivá-lo a fazer o teste e, se der positivo, começar logo o tratamento.

— O combate à Aids ficou muito “camisinhocêntrico”, como se essa fosse a única solução para a epidemia. Mas não podemos ignorar que boa parte da população quer correr o risco, apesar de saber dos males. Hoje, a ciência mostra que existem outras formas de prevenção — afirma o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita.

Epidemiologista que trabalha com o HIV desde 1987, ele explica que a maioria dos soropositivos em tratamento apresenta nível muito baixo de vírus circulando no corpo. Portanto, a probabilidade de transmitirem a doença a um parceiro durante o ato sexual sem camisinha é bem menor. É o tratamento como prevenção.

O publicitário X., de 24 anos, é um dos alvos da nova campanha, já que a taxa de detecção de HIV entre jovens aumentou consideravelmente nos últimos anos — de 9,6 por 100 mil habitantes, em 2004, para 12,7 por 100 mil habitantes, em 2013. Ele nunca usou camisinha com a namorada e, mesmo solteiro, quando costumava se encontrar com meninas que conhecia pelo aplicativo de encontros Tinder, não usava preservativo.
 
— Eu não gosto de usar, mas sempre explico isso antes que aconteça qualquer coisa. Se a pessoa for contra, eu uso — conta o carioca, que está ciente dos riscos que corre: — Medo todo mundo tem, mas eu esqueço disso mais fácil do que os outros.

A administradora Ana Luiza Mello, que é casada, não usa camisinha porque não vê necessidade. Ela também só realizou o exame de HIV uma vez, quando engravidou.

— Tenho preguiça e acho que corta o clima. Além disso, como somos casados, confio nele — afirma Ana Luiza, de 27 anos, confessando que já teve medo de contrair alguma doença: — Se dissesse que não, estaria mentindo. Mesmo assim, o medo não foi tão grande a ponto de mudar minha opinião.

(O Globo)