terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Rios voadores dão refresco ao calor carioca

Enfim, um refresco. As chuvas e trovoadas dos últimos dias deram uma pausa no tórrido verão carioca. A princípio, segundo os meteorologistas, o tempo fechado vai se estender na cidade até domingo. Fundamentais para controlar a subida alucinada das temperaturas, os chamados rios voadores seriam mais fortes se não fosse o estrago provocado pelo homem a três mil quilômetros do Rio, na Floresta Amazônica. 



Os rios voadores são formados na Amazônia a partir da umidade que a floresta “puxa” do Atlântico. Esta umidade cai como chuva sobre a mata. Com a “transpiração” das árvores, uma grande quantidade de vapor de água é jogada na atmosfera. São cerca de 20 bilhões de litros por dia, o equivalente a oito mil piscinas olímpicas. Eles margeiam a Cordilheira dos Andes e se desviam dela na altura do Centro-Sul do país. Quando encontram frentes frias, trazem chuvas para esta região.

Mas a motosserra vem comprometendo a bomba-d’água da Amazônia. Estima-se que 47% da floresta, em sua porção brasileira, foram totalmente desmatados ou sofreram algum tipo de degradação, o que levaria décadas para ser recuperado.

Pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, Antonio Donato Nobre destaca que uma árvore pode bombear para a atmosfera mais de mil litros de água por dia em forma de vapor.
 

— A Amazônia passou por mudanças climáticas durante muitos anos e sempre conseguiu se regenerar — lembra Nobre, autor do estudo “O futuro climático da Amazônia”. — Mas, agora, há também a motosserra e o fogo. Este é o calcanhar de aquiles da mata. Existe o risco de que ela se transforme em uma savana.

Nos últimos 40 anos, o equivalente a 200 árvores para cada brasileiro foram decepadas na Amazônia. A parte oriental da floresta, área de expansão agrícola, é a mais vulnerável. Se há menos vapor de água na atmosfera, as chuvas podem ser cada vez mais escassas no Centro-Sul do país.

No mês passado, assim como no verão de 2014, a estiagem foi agravada pela presença de um bloqueio atmosférico sobre o Sudeste, impedindo a queda de chuvas.

— Esta zona de alta pressão é um paquiderme atmosférico. “Sentou”, e ninguém consegue tirá-la dali — compara Nobre. — Já se tem conhecimento de que este ano será um grande desastre hidrológico para o país. Será muito difícil fechar 2015 com um índice normal de chuvas.

Professor do Departamento de Física da USP, Paulo Artaxo lembra que os rios voadores são um dos três principais componentes para a chegada das chuvas no Centro-Sul do país.

— Além da umidade que vem da Amazônia, também devemos considerar aquela originária no Atlântico Sul e as frentes frias que vêm do Sul — ressalta. — O peso de cada um desses fatores pode mudar, dependendo da situação. Sou membro de um grupo de estudo que sobrevoou a floresta para estudar como o vapor de água se forma e de que forma ele desce, mas ainda é cedo para termos estas respostas.

O “paquiderme”, agora, começa a entregar os pontos. Gustavo Escobar, pesquisador especialista em previsão do tempo do CPTec/Inpe, assegura que o bloqueio atmosférico já deixou o país. No entanto, ainda falta um elemento fundamental da estação chuvosa, que é o encontro de frentes frias do Sul com a umidade da Região Norte.
 
— Estas zonas de convergência geram chuvas que duram até quatro dias — descreve. — Normalmente, estes episódios ocorrem até cinco vezes entre outubro e março. Não tivemos nenhum neste verão. Existe a possibilidade de recebermos o primeiro no fim desta semana.

Por enquanto, o verão está marcado por pancadas de chuva isoladas, que não têm chegado aos reservatórios. Nobre alerta que o aquecimento global vai alterar cada vez mais o regime de chuvas:

— A Amazônia passou por duas grandes secas, em 2005 e 2010. A Mata Atlântica foi completamente destroçada. A temperatura global é cada vez maior. E, ao contrário do que os meteorologistas pensavam, recebemos, pelo segundo verão seguido, um bloqueio atmosférico. Não dá para pensar que estamos seguros. Pelo contrário, com a destruição da floresta, já perdemos um pulmão.

(O Globo)