segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Usado por Claudia Leitte na Sapucaí, protetor auricular é primeira polêmica do carnaval

Não faltaram destaques na estreia de Claudia Leitte na Sapucaí, que ocorreu no ensaio técnico de 18 janeiro. Havia um Sambódromo lotado e ansioso para ver pela primeira vez a cantora como rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. Havia seus quatro seguranças, a postos sempre que a loira se aproximava do público. E havia seu exíguo figurino esmeralda de duas peças, moldado no corpo da estrela, cinco quilos distribuídos entre um top com cristais Swarovski e uma saia feita de penas.

Mas a noite ficou marcada por um detalhe que podia passar despercebido: o par de protetores que Claudia trazia nos ouvidos.

— Sinceramente, nem reparei que ela estava usando protetor — diz André Silva, diretor da Não Existe Mais Quente, como é chamada agora a bateria da Mocidade. — Não atrapalhou em nada. A última coisa que eu vou olhar é pra dentro da orelha da rainha. Com todo o respeito, porque é uma rainha casada.

Flagrada pelo zoom dos fotógrafos, a rainha foi criticada por se proteger do som de seus súditos — apesar de muitos ritmistas da Mocidade e outras escolas usarem acessórios semelhantes. “Principiante”, “indefensável” e “aproveitadora” foram alguns dos adjetivos usados contra a cantora; “fiasco”, “frescura” e “amadorismo” alguns dos substantivos. Enquanto o bloco do carnaval tradicional atacou a musa do axé, a ala dos fonos e otorrinos canta em uníssono: Claudia está certa.

Wagner Cavazzanni, otorrinolaringologista, diz:

— Sons acima de 85 decibéis podem provocar lesões irreversíveis e somatórias na cóclea (órgão da audição). Uma turbina de avião emite 110 decibéis. Em uma bateria, pode chegar a 130 decibéis. Um indivíduo pode se expor a um volume desses por no máximo 12 minutos. A partir daí, já se configura trauma acústico. Como profissional da área, acho que ela está correta em usar o protetor.

Para quem pensa que tampão auricular é novidade, eles já eram usados na Grécia Antiga. No poema épico “Odisseia”, composto 800 anos antes de Cristo, os marinheiros de Odisseu — mais conhecido por seu nome latino, Ulisses — se protegem do canto das sereias, lendário e fascinante, tapando os ouvidos com cera. Odisseu teimou em ouvir o canto e ficou sem proteção — mas pediu para ser amarrado no mastro do navio.

Ao longo dos tempos, vários materiais foram testados para bloquear o som ao redor, como madeira, algodão, gesso e cortiça, com resultados variando entre o regular e desastroso.

Após a Revolução Industrial, no século XIX, a busca por protetores de ouvido que funcionassem e não ferissem foi intensificada. Os novos ambientes de trabalho, as fábricas, eram muito mais barulhentos do que os anteriores, fazendo com que os sindicalistas da época já reivindicassem amparo contra a poluição sonora.
 
O resultado dessas lutas históricas pode ser conferido, por exemplo, nas orelhas dos operários que neste momento realizam as obras de ampliação da Rua Comandante Maurity, paralela à Marquês de Sapucaí. O modelo utilizado por eles tem um cone em cada ponta e um cordão. A corda não é só para prevenir a perda: a ideia é dar um nó numa extremidade e usar sempre o mesmo protetor de cada lado, evitando passar infecções de um ouvido para o outro.

O tipo mais vendido é composto de um par de cilindros esponjosos que devem ser espremidos para entrar no ouvido e depois se expandem. A caixinha com dois pares pode ser encontrada em qualquer farmácia por menos de R$ 4. Destinado a usuários de máquinas pesadas, ele também é muito popular entre adeptos da siesta, passageiros que gostam de cochilar no ônibus e até estudantes. Formado em Direito e sempre mirando um concurso, André Gualtieri viciou:

— Usava muito quando estudava numa biblioteca barulhenta. Mas sempre tenho uns comigo. O curioso é que eu morava num bairro também barulhento e peguei mania de dormir com eles também. Agora moro num lugar tranquilo, mas ainda durmo todos os dias com protetor auricular. Estou tentando largar. Tá igual cigarro.

O modelo de quem trabalha em aeroportos parece um fone antigo, e o dos nadadores, de silicone, deixa o ouvido à prova d’água. Já os profissionais da música têm à sua disposição um item específico. Sua tecnologia bloqueia o som do palco ao mesmo tempo em que permite escutar, em volume mais baixo, o retorno dos instrumentos. Geralmente feito sob medida para o ouvido do dono, um par desses pode passar de R$ 500.

A fonoaudióloga Isabela Carvalho, consultora da Telex Soluções Auditivas, lembra que, protegendo os ouvidos, os cantores também estão preservando a garganta.

— Ao longo da carreira, um cantor que não se protege vai perdendo a capacidade de ouvir, e deixa de escutar o volume total da própria voz. E a tendência é que ele tente compensar essa perda cantando cada vez mais alto, forçando as cordas vocais — diz Isabela. — Por isso, acho que a Claudia Leitte está certíssima em se proteger.

Claudia, claro, concorda:

— Tenho consciência de que preciso do meu aparelho auditivo funcionando plenamente. Acho imprescindível me proteger — diz a cantora, que falou com a Revista O GLOBO por telefone na última terça-feira.

Na noite anterior, a baiana — na verdade fluminense, nascida em São Gonçalo em 1980 — havia comandado o ensaio da Mocidade no Clube Monte Líbano, na Lagoa. No evento, lançou mão de dois modelos de protetor. O primeiro é o que ela usa em qualquer show, que diminui o ruído mas permite ter um retorno da banda. O segundo é o mesmo do Sambódromo, que ela mandou fazer para este carnaval.

— Ele inibe 50% do ruído exterior, mas não me deixa surda. Não tem como dançar sem ouvir o ritmo da bateria — diz ela, que tem um terceiro modelo, que usa quando voa de jatinho, para amenizar o som da turbina.

Claudia diz não lembrar quando os protetores auriculares entraram em sua vida (ou em sua orelha), mas lembra que foi no início da carreira, por recomendação da fonoaudióloga Regina Grangeiro — que já cuidou de Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Confirma que vai usá-los no desfile da Mocidade, em 15 de fevereiro, domingo. E desconhece opiniões em contrário:

— Se houve críticas, elas não chegaram a meus ouvidos.

(O Globo)