A morte de Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, em uma festa universitária em Bauru, interior de São Paulo, trouxe novamente o debate sobre o consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes. Apesar de ser proibido na maioria das faculdades, o uso de álcool pelos alunos acontece em confraternizações patrocinadas por empresas do setor, que possuem torneios cujo objetivo é ver quem bebe mais em menos tempo.
Foi em uma dessas gincanas que Humberto ingeriu cerca de 30 doses de vodca. Enquanto participava, o jovem, conhecido como Lombadinha, era ovacionado pelos demais: “Au, au, au, o Lombadinha é animal”, gritavam. Um rapaz anunciava a regra: “É um shot por minuto”. Nas “citações favoritas” no Facebook do jovem, está uma frase do poeta Vladimir Maiakovski: “melhor morrer de vodca do que de tédio”.
A festa, segundo os organizadores, tinha objetivo de integrar e divulgar as repúblicas de estudantes da cidade. Os cartazes anunciavam a realização de competições como escolha da miss, cabo de guerra e doação de sangue, além de três com uso de bebidas: Maratona, Beer Pong e circuito alcoólico, onde ganhava quem conseguisse beber mais.
Humberto não foi a única vítima. Outros três estudantes estão internados por coma alcoólico. Dois organizadores da festa “Inter Reps Bauru 2015” foram detidos e ouvidos pela polícia no domingo, mas conseguiram um alvará de soltura e responderão em liberdade por homicídio simples com dolo eventual e lesão corporal. Segundo a polícia, a festa não tinha alvará da prefeitura nem estrutura para atendimento médico. A PM foi chamada após seis pessoas entrarem em coma alcoólico. Duas já apresentaram melhora.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas, Jorge Jaber, o estudante passou por um processo de intoxicação aguda.
— No nosso cérebro, temos uma região chamada centro de respiração, que deve ter sido alterada ou inibida com o excesso da droga — explicou Jaber, acrescentando que ela é responsável por estimular a respiração mesmo quando estamos dormindo ou em quadro de coma que não seja totalmente profundo. — O estudante deve ter sofrido parada respiratória.
O médico ressaltou, no entanto, que a ocorrência de intoxicação varia de acordo com idade, sexo, características genéticas e consumo de alimentos. Além disso, algumas pessoas são mais resistentes ao álcool.
No contexto de uma festa universitária, onde o esperado é que haja consumo excessivo da droga, a presença de ambulância com médicos e técnicos de enfermagem devidamente treinados é imprescindível. No caso de um paciente como Humberto, que possivelmente entrou em falência respiratória, como apontou o médico, o mais importante é restabelecer a respiração.
— É necessário entubar o paciente e conectá-lo a um respirador artificial — afirmou Jaber, acrescentando que a ambulância precisa ter equipamentos disponíveis para uma emergência.
Segundo o delegado Kleber Granja, que foi ao local do evento, o único veículo de assistência na festa não era equipado com Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Já de acordo com o delegado Mário Ramos, que cuidou do caso ontem, o auxílio às pessoas que passaram mal se limitou a fornecer chá de boldo.
Segundo o presidente do Grupo de Fígado do Rio de Janeiro, Carlos Terra, o chá não tem qualquer efeito sobre o álcool, não passando de “crença popular”:
— Fazer a pessoa em coma ingerir alguma coisa por via oral é perigoso. Isso é totalmente contraindicado.
Especialistas ressaltam que, no caso do homem, os limites seguros estão entre 40 e 60 gramas de álcool por dia; já para as mulheres, entre 20 e 40 gramas de álcool/dia. Uma lata de cerveja tem aproximadamente 15 gramas de álcool. O consumo de três a quatro latas já é considerado excessivo. A professora do Instituto de Psiquiatria da USP Camila Silveira ressalta que, quando ocorrem essas competições de quem bebe mais em menos tempo, não há quem tolere cerveja, já que nela há muito conteúdo hídrico. Como a vodca é concentrada em álcool, normalmente é a preferida.
— Se a pessoa faz uso de uma enorme quantidade tão rapidamente, o fígado não dá conta de metabolizar essas doses. O material tóxico vai, então, para a corrente sanguínea — explica.
Segundo Camila, o fígado tem a capacidade de metabolizar cerca de uma dose por hora. Isso é, se ele não consegue filtrar, o álcool se acumula cada vez mais, aumentando a absorção.
Divulgado em agosto, levantamento da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a mesma em que Humberto estudava, aponta que ao menos 10% dos universitários apresentam alto risco de dependência. O lema em muitas dessas festas universitárias é quanto mais bebida alcoólica, melhor. Em uma edição de confraternização dos alunos de Direto da UFRJ, o título anunciava: “Vamos beber até morrer”.
As festas com gincanas alcoólicas geraram debate no curso de Comunicação da UFRJ. Tradicionalmente, havia na “Semana de calouros” torneios alcoólicos, que foram abolidos pelos próprios alunos, desde o ano passado. Jessica Ribeiro, ex-aluna da instituição, participou das gincanas mas, atualmente, as critica.
— Há cinco anos, diria que o calouro participa porque quer. Mas já vi tanta gente fraca fazendo coisa errada que não dá mais para pensar assim.
O advogado dos dois estudantes que foram detidos, Luiz Celso de Barros, afirmou que os organizadores não tinham conhecimento da competição alcoólica. O defensor também diz que o chamado “circuito alcoólico” consistia, na verdade, nos pontos de distribuição de bebidas, já que a festa era com open bar. Ele também afirmou que havia uma ambulância no local.
(O Globo, colaborou Paula Ferreira)