quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Termelétricas são esperança contra apagões

O ano começou com o governo confiando no histórico do regime de chuvas e na meteorologia para afastar o risco do racionamento de energia. De fato, os primeiros dias de janeiro vieram acompanhados de chuvas, que voltaram a elevar, ainda que timidamente, os reservatórios das usinas hidrelétricas. Ainda assim, apenas em abril, no fim do período úmido, será possível diagnosticar com precisão o quadro para o abastecimento ao longo de 2013 e 2014.

Até lá, as usinas termelétricas vão continuar a desempenhar papel fundamental para o parque gerador nacional, evitando por ora a necessidade de redução forçada do consumo. Movidas pela queima de combustíveis fósseis, como o gás natural, o carvão mineral e o óleo, as térmicas respondem hoje por quase 15% da eletricidade no país. Trata-se de um patamar superior ao do padrão histórico justamente porque o baixo nível dos reservatórios reduziu a geração pela fonte hidráulica. O uso das termelétricas faz parte de um modelo concebido depois da crise energética - e do subsequente racionamento - de 2001, quando ficou evidente a necessidade de aumentar a segurança na oferta de eletricidade.

O governo decidiu incentivar a construção de novas térmicas, cuja vantagem é não dependerem das variações climáticas para funcionar, ainda que o seu custo de operação e o impacto ambiental sejam maiores. No caso das usinas movidas a óleo diesel, o custo de geração foi em média 66% maior do que o da energia produzida em hidrelétricas desde 2005, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Um levantamento da consultoria Andrade & Canellas dá a dimensão da expansão das térmicas. Em 2001, havia 53 usinas desse tipo, com capacidade de 5 100 megawatts (MW). No ano passado, esses números haviam saltado para mais de 1 100 usinas, aptas a produzir 21 400 MW. Em termos relativos, ao longo de 2001, ano do racionamento, a geração térmica movida a combustíveis fósseis respondeu por 6% do total produzido. Em 2013, o porcentual deverá se aproximar dos 20%.

O uso das térmicas contribui para regular o nível das represas. Quando elas são acionadas, diminui a necessidade de geração das hidrelétricas, aliviando a pressão sobre o nível da água. Essas usinas, assim, podem ser consideradas um seguro a ser empregado em períodos de queda nos reservatórios. Nos últimos anos, independentemente do regime de chuvas, elas têm ganhado importância no fornecimento energético. Por pressão de ambientalistas, o governo abriu mão, na última década, de construir colossos como Itaipu, na divisa do Paraná com o Paraguai, ou Tucuruí, no Pará, cujas represas servem de poupança para os meses de estiagem. O resultado é que a capacidade somada de armazenamento de água não acompanha o crescimento do consumo no país. No fim dos anos 80, as represas eram capazes de garantir um ano de abastecimento. Hoje, o período não passa de cinco meses. Assim, é necessário ativar com uma frequência maior as térmicas, sobretudo em anos de poucas chuvas.

Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicam que existem 81 usinas térmicas projetadas até 2017. Esses projetos em conjunto tornariam a geração térmica a gás responsável por 8% da matriz (hoje é 7%), enquanto que a geração a óleo combustível passaria de 1% para 5,7%, para ficar em dois exemplos. A energia hidrelétrica, por sua vez, cairia de 86% para 76%.

Embora a emissão de SO2 seja um dos pontos mais destacados dessa mudança, o dióxido de enxofre não é o único poluente que deve estar na pauta de preocupações. Existe um grupo igualmente danoso, que precisa ser monitorado e merece uma atenção especial da legislação: os óxidos de nitrogênio, conhecidos pela sigla NOx. Os NOx ganharam essa posição, entre outros fatores, pela formação de chuva ácida e pela tóxica formação de ozônio nas camadas baixas da atmosfera. A importância dada à emissão dos NOx pode ser percebida pelo relatório do Ministério das Minas e Energia intitulado Matriz Energética 2030.

Ao avaliar o uso do carvão mineral como combustível para geração elétrica, o documento textualmente expressa que "em todos os casos de termoeletricidade, a diretriz política do governo deveria ser no sentido de encorajar a utilização da clean-technology, a qual dispõe de coleta de cinzas volantes e SOx (óxidos de enxofre), sendo o NOx inibido ou coletado...". A preocupação com os óxidos de enxofre e nitrogênio não se limita aos documentos oficiais. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem atrelado os financiamentos de termelétricas ao cumprimento de políticas ambientais sustentáveis.

É o caso do projeto recente da Usina termelétrica em São Gonçalo do Amarante, no Ceará, que terá capacidade de geração de 720 MW e faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), devendo entrar em operação no começo de 2012. Usando carvão mineral como combustível, a usina adotará tecnologias de queima limpa (Clean Coal Technologies), inclusive antecipando - em cinco anos - a adoção de sistemas de dessulfurização de gases, inicialmente, previstos para serem ativados após cinco anos de operação comercial do empreendimento. A Usina Termelétrica Norte Fluminense, já em operação, é outro caso no qual o financiamento do BNDES esteve vinculado às políticas ambientais sustentáveis. Segundo a instituição financeira, o modelo da usina possui baixo teor de emissão de NOx.

Os dois exemplos ilustram políticas conscientes de cuidado com o meio-ambiente, mas a preocupação com a geração de NOx precisa ser assegurada de forma mais estruturada. Tal demanda ocorre, principalmente, pela previsão de aumento de participação do gás natural e do carvão mineral na matriz de produção de energia elétrica no Brasil.

O artigo indica que a produção de energia elétrica seria responsável por 21% da emissão de NOx em nível mundial, sendo o segundo setor que mais produz os gases tóxicos, perdendo apenas para a área de transporte, cujos veículos têm sido aperfeiçoados para a minimização dos óxidos de nitrogênio. De acordo com os autores, a média de emissão de NOx em termelétricas é superior a 2 g/kWh em países como Itália, Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha e Japão. Esses dois últimos tem sido bem sucedidos na redução da poluição causada com óxidos de nitrogênio. O índice da Alemanha é de 1,5 g/kWh, enquanto o Japão atingiu 0,34 g/kWh.

Embora o aparato legal contemple as emissões de NOx, os limites são pouco restritivos. É urgente que o Brasil adote uma política agressiva de monitoramento e controle desses e de outros gases. Ao contrário de outros países, a matriz energética brasileira, focada em hidroeletricidade, faz com que emitamos 64 vezes menos gases poluentes do que os Estados Unidos e 20 vezes menos do que a África do Sul, segundo a pesquisa citada acima. O avanço inevitável das termelétricas para garantir a capacidade de geração de energia, no entanto, pode mudar esse cenário e precisamos nos antecipar a ele.
Fontes: Veja, Brasil Econômico