domingo, 18 de maio de 2014

Pedestre vence o desafio contra carro na Zona Sul

Quinta-feira, 16h30m, o motorista sai da Praia de Botafogo em direção ao Túnel Rebouças. A Rua Professor Álvaro Rodrigues, que logo à frente vira Mena Barreto, é uma das alternativas. Em pouco tempo, a opção se mostra desastrosa. A distância de 1,3km até a esquina com a Rua Real Grandeza é percorrida em 21 minutos. A velocidade média é de inacreditáveis 3,71 km/h. Em um exercício de imaginação, neste ritmo, a viagem do carioca a Búzios se tornaria uma aventura de dois dias inteiros. Para São Paulo, a odisseia se estenderia por mais de quatro dias. Para testar a mobilidade urbana da cidade - ou a falta dela -, o GLOBO-Zona Sul comparou o tempo gasto a pé e de carro, em horários de rush, em cinco trechos onde os congestionamentos são frequentes: Rua Mário Ribeiro, no Leblon; Avenida Epitácio Pessoa, na Lagoa, ruas São Clemente e Mena Barreto, em Botafogo, e Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Em apenas um trajeto, o da Rua São Clemente, no horário de troca de turno nos colégios, o carro foi mais rápido. Os trechos da Mário Ribeiro e da Epitácio Pessoa foram percorridos duas vezes: de manhã, o veículo levou vantagem em ambos os percursos, mas, no fim da tarde, o deslocamento a pé foi mais eficiente. O pedestre chegou antes do carro na Pinheiro Machado e na Mena Barreto.

O mesmo teste foi realizado na Barra da Tijuca. Nos cinco trechos, o tempo gasto pelo pedestre e pelo carro foram equivalentes. Veja o vídeo do desafio.

Entre março de 2004 e março de 2014, o número de veículos licenciados na cidade, segundo o Detran-RJ, pulou de 1,8 milhão para 2,7 milhões. O salto de 50% em dez anos, as obras viárias e as conhecidas deficiências no sistema de transporte público ajudam a explicar o transtorno que é se deslocar pela cidade. Para resolver a questão, a professora Eva Vider, da Escola Politécnica da UFRJ, aponta uma única saída: mudança de hábitos.

- A cidade não está preparada para esse número de automóveis. O poder público tem a responsabilidade de fornecer alternativas, mas precisa haver engajamento da população - afirma. - Mudar hábito é sempre difícil, mas acredito que, quem ainda não chegou, vai chegar num momento em que o desconforto de ficar parado no trânsito vai ser maior do que a resistência em deixar o carro em casa.

Em uma cidade com largas distâncias, ir a pé para o trabalho, por exemplo, é uma alternativa inviável para grande parte da população. No entanto, pequenos deslocamentos, em torno de dois quilômetros, podem ser resolvidos em uma caminhada de 20 minutos.

- Para quem pode, uma boa alternativa é combinar o ônibus com a bicicleta ou uma caminhada - diz Eva.

A arquiteta Marcella Kertzman mora em Copacabana e alterna entre três meios para ir ao trabalho, no Leblon: ônibus, bicicleta ou bicicleta elétrica. Quando opta pelo transporte coletivo, a volta é quase sempre a pé.

- Para ir eu não tenho muito problema, levo 20 minutos de ônibus. Mas evito voltar de ônibus, porque são 45, 50 minutos, por causa das obras do metrô (há trechos da Avenida Ataulfo de Paiva interrompidos ao trânsito). A pé, dá em torno de 30 minutos - conta.

Já para o designer de produtos Renato Mosci, também morador de Copacabana, andar até o trabalho, em São Cristóvão, é tarefa impossível. Ele, que vai de ônibus, faz uma adaptação na volta.

- Pego carona com alguém que vá para a Barra e fico na Lagoa. De lá, ando até o Posto 8. Quanto mais eu ando a pé, mais eu acho as distâncias menos longas - diz. - Tenho carro, mas sei que melhoro o coletivo quando tiro o meu de circulação. Vejo muitos motoristas sozinhos e pessoas que não andam dois quarteirões até o metrô.

O professor José Eugênio Leal, da PUC-Rio, defende a seguinte combinação: mais transporte público e menos carros nas ruas.

- Os corredores exclusivos para ônibus são bons exemplos de formas de limitar, indiretamente, o número de carros nas ruas. Mas acho que o esforço do poder público ainda está aquém do necessário. Não adianta a prefeitura achar que está fazendo a parte dela com o BRS e o BRT. Precisa cobrar dos governos estadual e federal mais investimento nos transportes de massa (trem e metrô) - afirma.

Se o número de carros nas ruas continuar elevado e os congestionamentos persistirem, o professor acredita que, no futuro, medidas mais agressivas poderão ser tomadas.

- Se a situação persistir, acho que a implantação dos pedágios urbanos será inevitável - ressalta.

Tempos gastos

PRAÇA SIBÉLIUS - PARQUE DOS PATINS: 2km, 17h15m

Carro: 29min (V=4,13km/h)

A pé: 20min (V=6,0km/h)

PRAÇA SIBÉLIUS - PARQUE DOS PATINS: 2km, 8h15m

Carro: 17min (V=7,05km/h)

A pé: 20min (V=6,0km/h)

CORTE DO CANTAGALO - REBOUÇAS: 2,2km, 18h30

Carro: 23min (v=5,73km/h)

A pé: 22min (V=5,45km/h)

CORTE DO CANTAGALO - REBOUÇAS: 2,2km, 9h

Carro: 19min (v=6,94km/h)

A pé: 22min (V=5,45km/h)

SÃO CLEMENTE (DA PRAIA ATÉ O LARGO DOS LEÕES): 1,5km, 12h40m

Carro: 8min (V=11,25km/h)

A pé: 16min (V=5,62 km/h)

PINHEIRO MACHADO: 1km, 17h30m

Carro: 13min (V=4,61km/h)

A pé: 11min (V=5,45km/h)

MENA BARRETO (DA PRAIA ATÉ A REAL GRANDEZA): 1,3km, 16h30m

Carro: 21 min (V=3,71km/h)

A pé : 14 min (V=5,57km/h)

Procurada para falar sobre os nós no trânsito do Rio e sobre o que está sendo feito para melhorar a situação, a Secretaria municipal de Transportes enviou uma nota. Segue a íntegra.

O Rio de Janeiro está passando por um processo de transformação e um dos objetivos é melhorar a mobilidade da cidade. A Prefeitura do Rio está trabalhando para minimizar os transtornos causados em função das obras e reforça que eles são temporários.Os investimentos na área de mobilidade são muitos: a construção de mais de 150 quilômetros de corredores exclusivos para os BRTs. Serão quatro ao todo: a Transoeste, ligando a Barra da Tijuca a Santa Cruz e Campo Grande; a Transcarioca, ligando a Barra ao Aeroporto do Galeão; a Transolímpica, ligando a Barra e Recreio a Deodoro; e a Transbrasil, ligando Deodoro ao Centro da cidade. O BRT Transoeste também prevê a integração com a Linha 4 do metrô, no Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca. Há também a inauguração da Via Binário do Porto, com três faixas por sentido e várias saídas para a distribuição interna do trânsito e acessos ao Centro da cidade e a construção de três túneis (Túnel da Saúde, já inaugurado; Túnel do Binário (segundo semestre em 2014) e Túnel da Via Expressa (em 2016).Além disso, o plano de mobilidade urbana em implantação pela Prefeitura do Rio na Região Portuária privilegia o transporte coletivo, racionaliza a circulação de ônibus, cria alternativas ao deslocamento com a abertura de acesso a pedestres e ciclistas (a malha cicloviária terá 17 Km na área) e amplia a integração entre os meios de transportes com a implantação de 28 quilômetros de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), conectando ônibus convencionais, BRT Transbrasil, rodoviária, metrô, trens, barcas, teleférico, terminal de cruzeiros marítimos e aeroporto. O novo modelo amplia a capacidade de tráfego em 27%, conforme aponta atualização do Estudo de Impacto de Vizinhança, de julho de 2013.Além dos BRTs e VLT, a prefeitura está implantando corredores preferenciais de ônibus que aumentam o conforto e eficiência do sistema, reorganizando o trânsito e o transporte público, além de reduzir o tempo de viagem dos usuários. Atualmente, a cidade do Rio possui 37,9 quilômetros de faixas preferenciais de ônibus já em funcionamento. A redução do tempo de viagem nos corredores BRS implantados é de cerca de 20%.

Até 2016, a prefeitura tem como meta passar de 20% para 63% as viagens diárias realizadas por transporte público de alta capacidade.


(O Globo)