A empreendora portuguesa Isabel Hoffman foi convidada a palestrar no TED Global, conferência de projetos e ideias inovadoras que se encerrou nesta sexta-feira no Rio de Janeiro, para falar do invento pioneiro criado por ela. Trata-se de um espectômetro de bolso que "escaneia" a comida para criar uma impressão digital dos alimentos e identificar seus ingredientes.
Com isso, Hoffman quer evitar que outras pessoas passem por problemas como o enfrentado por sua filha, que, aos 13 anos, teve um problema de saúde misterioso que a debilitou muito por um ano e meio, o tempo levado até se chegar a um diagnóstico.
Foi graças a esta situação angustiante - e à sua paixão pela astrofísica - que Hoffman chegou à ideia de criar seu espectômetro de bolso. Em depoimento à BBC Brasil, ela conta como foi esta jornada.
"Tudo começou quando eu e minha filha de 13 anos nos mudamos para o Canadá, em janeiro de 2011. Morávamos em uma linda casa de 150 anos de idade que havia sido reformada. Cinco meses depois, minha filha começou a se sentir muito mal e cansada e a ter manchas vermelhas pelo corpo.
Em setembro, ela começou a frequentar a escola no Canadá. Duas semanas depois, recebi um telefonema para ir buscá-la, porque ela não estava se sentindo bem. Ela não voltou à escola por um longo tempo depois disso.
Ela só ficava em seu quarto, e seu estado só piorava. No começo, eram só vermelhidões. Depois, surgiram escaras e inchaços pelo corpo. Ela não conseguia mais fechar as mãos. Mesmo assim, sempre que a levava para um pronto-socorro, diziam que era apenas uma infecção viral e que ela melhoraria.
Em dezembro daquele ano, sua pressão caiu demais, a ponto de ela não conseguir mais sair da cama. Tinha que pegá-la no colo para que ela pudesse ir ao banheiro ou tomar um banho.
Nesta época, começamos a fazer sessões de injeções de vitaminas, minerais e ferro, porque, em meio aos testes feitos para descobrir o que ela tinha, vimos que, além de tudo, ela estava anêmica. Íamos a uma clínica três vezes por semana, por seis meses, para que as injeções fossem aplicadas. Neste tempo, conheci a centenas de pessoas que sofriam com alergias.
Nesta época, suspeitávamos que ela poderia ser alérgica a algum ingrediente em sua comida. Foi quando pensei que deveria haver uma solução melhor para isso.
Havia ido a muitos médicos, de todas as especialidades possíveis, sem nunca ter uma resposta concreta. Chegou um momento em que não tinha mais a quem recorrer no Canadá.
Já havia passado um ano e meio, e ainda não tinha um diagnóstico. Havia largado meu trabalho para cuidar da minha filha e vendido todas as minhas joias para pagar por exames e tratamento.
Chegou a um ponto que não tinha mais dinheiro, mas isso não importava. Era a vida dela que estava em jogo. Foi quando disparei emails para vários amigos que conhecia na área médica. Eram muitos, porque eu havia trabalhado em clínicas de medicina preventiva.
Uma amiga da Califórnia me respondeu indicando um livro de um médico chamado Neil Nathan, "Sobre Esperança e Cura", que falava de pessoas que não tinham conseguido um diagnóstico mesmo passando por um périplo no sistema de saúde.
Li em um dia e marquei uma consulta com este médico. Levei minha filha à Califórnia. Ele a examinou, fez testes e disse que suspeitava que minha filha era alérgica a penicilina. Fiquei em choque. Nunca havia dado antibióticos a ela. Ele respondeu: "Graças a Deus, porque, se tivesse dado, você saberia".
Descobrimos que a causa de tudo estava escondida na parede do quarto onde minha filha estava. Havia muito mofo em seu interior, mas não sabíamos disso, porque a casa havia sido reformada.
Mudamos daquela casa. Logo depois, minha filha voltou a andar. Três meses depois, ela estava de volta à escola.
Quando minha filha já estava melhor, fiz um jantar com amigos. Uma amiga me perguntou o que eu faria dali em diante, já que estava há um ano e meio sem trabalhar.
Foi quando tive a ideia de criar um escâner para ajudar pessoas que passam por este tipo de problema.
Sou formada em matemática, mas sou apaixonada por astrofísica. Fui à faculdade para estudar isso, mas não consegui me formar na área porque não tinha o nível de inglês necessário para cursar as matérias que o curso exigia.
Acabei fazendo aulas de matemática, porque não precisava de um inglês tão bom para isso.
Mas a astrofísica permaneceu como minha maior paixão. Daí veio a inspiração para meu invento.
Para ver as estrelas, usamos espectrômetros. Naquela mesa de jantar, pensei em usar um espectrômetro para identificar alergênicos em ambientes e comidas.
Tive que estudar muito, falar com pessoas desta área e contratar especialistas em espectropia para fazer estudos.
Hoje temos um protótipo. Ele joga luz em um ambiente ou num alimento. O fóton deste faixo de luz entra nas moléculas do que você quer escanear. As moléculas vibram em frequências diferentes e refletem os fótons.
Depois, contamos os fótons que foram refletidos e com que frequência de vibração eles voltaram. Isso gera um espectro, que funciona como uma impressão digital da comida ou de um ambiente.
Por fim, analisamos este espectro e os relacionamos com uma base de dados - temos um laboratório parceiro que já identificou mais de 2 mil ingredientes - para identificar os componentes que estão no alvo que foi escaneado. Este resultado aparece no aplicativo na tela do celular.
É um projeto muito difícil, e ainda temos trabalho pela frente. Mas espero que isso ajude outras pessoas que tiveram um problema como o meu.
Hoje, minha filha está bem. Ela viu a palestra que dei sobre o projeto e foi a primeira a mandar uma mensagem. Ela disse: 'Mamãe, foi incrível! Eles aplaudiram você de pé!'"
(BBC)