segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Como vai o seu sorriso?

O Brasil é o país com maior número de dentistas no mundo: tem cerca de 250 mil profissionais na área – três vezes mais do que o número ideal recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi o que concluiu um estudo promovido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), batizado de “Perfil Atual e Tendências do Cirurgião-dentista Brasileiro”, lançado este mês.

Mas, infelizmente, esses dados não se refletem em saúde bucal da população. Números do próprio Ministério da Saúde apontam que quase um terço da população (60 milhões de pessoas) nunca fez tratamento dentário (os números são de 2003, ano do último balanço). E se o novo estudo aponta que as faculdades de odontologia deverão despejar mais 8 mil profissionais por ano no País, três em cada quatro idosos com mais de 65 anos não têm mais nem um único dente na boca, segundo os números oficiais. A situação é tão crítica que, em 2004, o Governo implantou o programa Brasil Sorridente, com a abertura de centros de tratamento para prevenção e orientação sobre higiene bucal. Ainda assim, em 2008, 58% dos brasileiros não tiveram acesso a escovas de dente.

Mas como explicar essa disparidade? Segundo a professora da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, e pesquisadora do Observatório de Recursos Humanos Odontológicos da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Maria Celeste Morita, que participou da pesquisa sobre dentistas, o Brasil tem uma realidade complexa, com excesso e falta de profissionais ao mesmo tempo: “No Brasil, há locais onde a proporção de população por profissionais é de um dentista para mais de 40 mil habitantes. Nosso problema não é a quantidade de profissionais, mas sim a distribuição deles no interior do País.” Ela fala principalmente da grande concentração de dentistas nas regiões Sul e Suldeste, que abrigam 75% de todos os profissionais da área. “Há um aumento da oferta de cursos de Odontologia na região Sudeste. O estudo mostra que 86% dos profissionais iniciam sua vida profissional no mesmo estado em que fizeram sua graduação”, completa Maria Celeste. “Outro fator que conta para esse desequilíbrio está ligado à desigualdade de distribuição de renda no Brasil. “Durante muito tempo, o atendimento odontológico não foi considerado prioritário, ficando sob a responsabilidade do cidadão arcar com despesas com saúde bucal”, explica a professora.

Em nota, o Ministério da Saúde esclarece que essa é uma realidade que vem mudando desde a criação do Brasil Sorridente: “De dezembro de 2002 até outubro de 2009, foram implantadas mais de 14 mil novas Equipes de Saúde Bucal (ESB), chegando a um total de 18.820 ESBs atuando em mais de 4,6 mil municípios. Houve, neste mesmo período, um acréscimo na cobertura populacional de mais de 62 milhões de pessoas, totalizando mais de 89 milhões de pessoas cobertas pelas ações de saúde bucal”.

Maria Celeste acredita ainda que, para se adequarem às necessidades da população, será preciso que os profissionais procurem alternativas ao tradicional consultório. E essa é uma tendência apontada no estudo. Entre os serviços públicos, no Programa de Saúde da Família, por exemplo, de 2001 até o ano passado o número de dentistas cresceu de 2.248 para 18.820 profissionais. Também nos planos de saúde, a quantidade de beneficiários de planos exclusivamente odontológicos passou de cerca de 3,8 milhões, em 2002, para 11,8 milhões em 2009.

Mas o que chama tanto a atenção dos jovens para o curso de odontologia? Bruna Daibs, de 23 anos, que cursa o quarto ano na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, em São José dos Campos (SP), diz que escolheu a profissão “para poder cuidar das pessoas e devolver sorrisos”. Mas ela já se preocupa com o mercado saturado: “Com tamanha oferta de mão de obra, nosso trabalho acaba sendo desvalorizado. Os profissionais acabam vendendo seu trabalho e seus conhecimentos por valores baixos para os convênios, que não remuneram de forma justa. A gente estuda por 4 anos, com as dificuldades de morar fora de casa, para depois ganhar R$ 6 em uma restauração dentária”, lamenta. Para o futuro, sua perspectiva não é das melhores: “Acho que ainda vamos colher muitos maus frutos de cirurgiões-dentistas despreparados e desestimulados por causa dos baixos salários”.

Maria Celeste acredita que se algumas medidas forem tomadas, será possível reverter essa situação. “Não é uma equação simples, é preciso ponderar diversos fatores para que mais pessoas possam ter acesso ao atendimento odontológico com custos mais razoáveis e, em consequência, mais profissionais possam se estabelecer no mercado. Um deles seria o desenvolvimento de materiais odontológicos a custo reduzido. Além disso, medidas preventivas de massa como a fluoretação das águas de abastecimento e uso de pasta de dente com flúor comprovadamente reduzem a incidência e a severidade das cáries. Diminuindo a complexidade do tratamento a ser executado, mais pessoas poderiam ser atendidas e com um custo menor”, conclui a pesquisadora.


Fonte: USP