São inegáveis os benefícios da medicina nuclear. Ela engloba exames de diagnóstico e tratamentos utilizados no combate ao câncer. Segundo o Banco de Dados de Instalações Radioativas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), existem atualmente, no Brasil, cerca de 300 serviços de medicina nuclear, 44 deles instalados no estado do Rio de Janeiro. Pensando na exposição à qual estão sujeitos os profissionais que atuam nesse segmento e nas doses de radiofármacos às quais os pacientes são submetidos, um grupo de pesquisadores do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), vinculado à CNEN, desenvolveu um projeto intitulado "Estudo dos fatores que afetam a exposição de pacientes e trabalhadores na prática da medicina nuclear". O projeto, coordenado pelo pesquisador Bernardo Maranhão Dantas, contou com recursos do edital de Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa, da FAPERJ.
Para Bernardo, o principal objetivo do trabalho é disponibilizar metodologias que permitam otimizar a utilização dos radiofármacos na medicina nuclear, que é também uma das funções do IRD. No caso dos pacientes, os estudos estão voltados para que eles recebam a menor dose de radiofármacos possível, dentro das necessidades de cada exame ou tratamento. Segundo a física Silvia Maria Velasques, uma das integrantes da equipe, existe uma relação inversa entre a atividade do elemento radioativo e o tempo que ele demora a se manifestar no corpo humano. Isso quer dizer que quanto menor a dose de radiofármacos, maior será o tempo que o paciente terá que esperar para realizar o exame. "Além disso, de nada adianta reduzir a quantidade do material radioativo aplicado e o tratamento não surtir o efeito desejado, ou o exame não render uma imagem com qualidade", afirma a pesquisadora.
Durante a pesquisa, Silvia acompanhou crianças com problemas renais, tratadas com iodo 131. "Com elas, devemos ter ainda mais cuidado. A dose de radiofármacos não pode ser alta a ponto de representar risco significativo de efeitos tardios no corpo da criança, nem muito baixa, pois os pequenos não têm paciência para ficar parados o tempo necessário para a obtenção de uma imagem de boa qualidade no exame", completa. Segundo a pesquisadora, a maior incidência de problemas renais acontece em meninos entre cinco e 10 anos. "O iodo 131 é um material que irradia bastante o rim. O problema é a proximidade dos rins com as gônadas, que são glândulas muito sensíveis à irradiação. Por isso, devemos calcular muito criteriosamente a dose nas gônadas durante o tratamento."
A pesquisadora afirma que há cerca de três anos a equipe do IRD vem estudando um novo protocolo, formulado pela Associação Européia de Medicina Nuclear. Trata-se de uma nova proposta de cálculo da atividade que é administrada às crianças, estabelecendo-se novos critérios. "Antes, considerava-se a proporção da dose de radiofármaco em função do peso e da idade do paciente. Com o novo protocolo, são incluídos outros critérios no cálculo da dose a ser administrada: a toxicidade do material e a qualidade da imagem que poderá ser obtida, que é relativa à dosagem ministrada", relata Silvia. Com isso, é possível adequar ainda mais a atividade administrada do radiofármaco para a geração de uma imagem de boa qualidade.
O uso de determinados elementos radioativos em exames diagnósticos permite que as imagens apresentem alta definição. Um exemplo é a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Ao ser submetido a esse exame, o paciente é injetado com uma dose de flúor 18, que emite partículas de pósitrons – a antimatéria do elétron –, que interagem com os tecidos do corpo onde ela é emitida, aniquilando-se imediatamente, e gerando fótons, que são os responsáveis pela formação da imagem dos órgãos que se deseja avaliar. Entre outras aplicações, o exame é indicado para diagnóstico de tumores malignos.
Em relação à exposição ocupacional, deve-se ressaltar que os funcionários de clínicas de medicina nuclear que utilizam flúor 18 necessitam aproximar-se dos pacientes que receberam uma dose do radiofármaco e, assim, apresentam risco de exposição externa, como também em todos os demais exames de medicina nuclear. "Todo profissional que atua em medicina nuclear deve receber o treinamento adequado em radioproteção, e é sempre recomendável reduzir ao mínimo possível os riscos de exposição interna e externa", diz o coordenador Bernardo Dantas.
Pelo que ele observou, os níveis de contaminação interna dos trabalhadores monitorados até o momento estão abaixo dos limites estabelecidos pelas normas da CNEN. Para realizar essa avaliação, a química Ana Letícia e sua equipe empregam equipamentos, como o contador de corpo inteiro – que permite que se identifique e quantifique os radiofármacos presentes no corpo do indivíduo monitorado. "Em nosso trabalho, sugerimos que seja implementada uma monitoração interna rotineira dos trabalhadores da área de medicina nuclear, o que atualmente não é realizado", propõe Ana.
Para avaliar o nível de contaminação interna dos trabalhadores e a meia-vida efetiva dos elementos radioativos nos pacientes, o grupo também utiliza técnicas de bioanálise in vitro, principalmente em urina e fezes. "A meia-vida efetiva está relacionada ao tempo que o elemento permanece ativo dentro do corpo do paciente. Com esses exames, podemos determinar esse parâmetro", explica a química Ligia Castro Julião, responsável pelo laboratório de bioanálise do IRD. Análises deste tipo confirmam o que foi observado nas medições diretas, realizadas no contador de corpo inteiro: que os trabalhadores frequentemente apresentam contaminação interna por iodo 131, um dos mais importantes radiofármacos manipulados em medicina nuclear. Tais resultados corroboram a necessidade de se implementar programas rotineiros de monitoração interna da exposição ocupacional desses profissionais.
Em termos de exposição externa, atualmente apenas a monitoração de tórax é obrigatória. Mas as mãos acabam ficando mais expostas do que o tórax e poucos profissionais usam dosímetros individuais de extremidade, como anéis ou pulseiras, para medi-la. A análise estatística das doses externas recebidas por estes trabalhadores, monitorados no estado do Rio de Janeiro durante este trabalho, revelou alguns valores acima do limite anual de dose ocupacional estabelecido pela CNEN. "O que estamos fazendo de diferente é medir meticulosamente as diversas áreas das mãos para verificar qual a mais atingida pela radiação durante as diversas etapas dos exames mais comuns de medicina nuclear", informa a física Claudia Maurício.
No processo de injeção de flúor-18, por exemplo, a dose no dedo indicador, o dedo mais exposto, é mais do que 20 vezes maior do que a do tórax e cerca de 10 vezes maior do que a do pulso. No processo de manipulação do flúor-18, a dose no dedo indicador chega a ser 200 vezes maior do que a do tórax. No caso de exames com tecnécio-99m, as diferenças das doses do tórax para as mãos na etapa de injeção do radiofármaco são bem menores, mas da mesma ordem de grandeza. No processo de manipulação, a dose no dedo indicador é quase 100 vezes maior do que no tórax. Esta parte do estudo foi realizada com dosímetros termoluminescentes importados com apoio da FAPERJ.
Para complementar estas medições, são feitas simulações computacionais para avaliar melhor o local mais exposto, pois não conseguimos colocar dosímetros termoluminescentes em todas as posições das mãos dos trabalhadores. "Não conseguimos, por exemplo, medir a ponta dos dedos", informou o físico Denison Souza Santos. "No caso do exame PET, em que se utiliza o flúor-18, executo, no computador, uma previsão matemática baseada na emissão de pósitrons do elemento em questão. Com isso, posso chegar a uma probabilidade da exposição recebida em todos os pontos das mãos do profissional que injeta ou manipula o radiofármaco", diz Denison. Para a equipe, o importante é, também nesse caso, determinar precauções para, cada vez mais, proteger a saúde dos profissionais do setor.
Fonte: Danielle Kiffer, FAPERJ