segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A atmosfera na era dos biocombustíveis

Dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) mostram que a poluição do ar lidera, com 49%, o ranking de reclamações dos cariocas, seguido por poluição da água (20%), poluição sonora (15%) e outros problemas (16%). Nos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, a péssima qualidade do ar é resultado da concentração de gases tóxicos liberados pela frota de veículos, principalmente ônibus e caminhões a diesel, que produzem compostos de enxofre, extremamente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Como o biocombustível é livre de enxofre, para minimizar esse impacto, desde 2005, a mistura diesel/biodiesel já está sendo comercializada nos postos de abastecimento. Sérgio Machado Corrêa, pesquisador da Faculdade de Tecnologia e do Instituto de Química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), contemplado pelo programa Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, estuda nova proporção da emissão de poluentes nessa mistura.

Segundo Corrêa, a motivação para a pesquisa foi perceber que o perfil das emissões gasosas mudou e, mesmo assim, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) continua, desde 1990, limitando a emissão de alguns gases, como dióxido de enxofre e monóxido de carbono, mas deixando de monitorar outros, tão perigosos quanto. Ele afirma que já é do conhecimento científico que o uso do biodiesel é benéfico, porque além de ser uma energia renovável, reduz a emissão dos poluentes controlados pelas agências ambientais. Sua pesquisa, no entanto, visa quantificar compostos não regulamentados, como hidrocarbonetos aromáticos, carbonilas e mercaptanas, que também são potencialmente nocivos à saúde humana.

Corrêa pretende contribuir para o entendimento dos possíveis cenários atmosféricos que surgirão com o uso crescente do biodiesel. Para isso, analisou, seguindo protocolos internacionais, os gases produzidos na exaustão de dois motores, um novo e um velho, funcionando em estado estacionário e em circulação, operando com diesel comercial e com quatro porcentagens diferentes da mistura diesel/biodiesel: B2 com 2%, B5 com 5%, B10 com 10% e B20 com 20%. O pesquisador conta que o biodiesel utilizado foi o de girassol, certificado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), e as porcentagens escolhidas visam projetar o programa de implantação da mistura do governo federal, que começou em 2005 com adição de 2% de biodiesel e hoje já está em 5%, com objetivo de chegar a 20%. Como esperado, os resultados confirmaram estudos anteriores, mas foram além ao mostrar que, em alguns casos, a mistura aumenta a emissão de outros poluentes, como o formaldeído, por exemplo.

Apesar de apenas 14% do total da frota brasileira serem constituídos por ônibus e caminhões, esses veículos percorrem distâncias médias bem maiores que os carros de passeio. O diesel que usam também gera consideravelmente mais poluentes que outros combustíveis. Entre eles, os compostos de enxofre, que provocam irritação dos olhos, tosse, problemas respiratórios, edema pulmonar, danos no fígado e rim, entre outros. Por isso, em 2002, o Conama estabeleceu uma redução gradual do teor de enxofre no diesel, a fim de diminuir sua concentração na atmosfera.

Contudo, o pesquisador explica que o enxofre, naturalmente presente no diesel, confere lubricidade ao motor, diminuindo atrito e melhorando seu funcionamento e durabilidade. "A simples retirada de enxofre, além de cara, poderia ser prejudicial aos veículos", pondera. Ele afirma que adicionar biodiesel, teoricamente, é a solução ideal. "O óleo vegetal é um combustível alternativo, tecnicamente viável, ambientalmente aceito, biodegradável, e, por algum motivo, ainda devolve a lubricidade ao motor, ou seja, substitui a função do enxofre", diz. Porém, a medida é limitada, pois os motores, principalmente os mais modernos, não suportam misturas com altas porcentagens do biocombustível. "A engenharia mecânica desses veículos não é adaptada para funcionar com biodiesel e, com o tempo, esse combustível cria um depósito no motor que lhe diminui a vida útil", assegura.

Em sua pesquisa, Corrêa já quantificou três grupos de poluentes emitidos na combustão das quatro misturas diesel/biodiesel (B2, B5, B10 e B20) e os comparou com os emitidos na combustão do diesel: O primeiro grupo de poluentes, formado por hidrocarbonetos aromáticos, cujo benzeno é o representante mais prejudicial por causar leucemia (câncer na medula óssea que desregula a produção sanguínea), teve redução em todas as quatro misturas estudadas. O segundo grupo de emissões, mercaptanas, formado por quatro tipos de gases sulfurados (contém enxofre) que atacam o sistema respiratório, apresentou redução em todos os modelos, só que em proporções desiguais, ou seja, algumas misturas reduziram as emissões desses gases mais que outras.

Já o terceiro grupo de emissões, carbonilas, formado por cetonas e aldeídos, teve um significante aumento. Com exceção do benzaldeído, todos os outros compostos desse grupo aumentaram, com destaque para o formaldeído, o mais conhecido deles e que comprovadamente induz mutações no DNA, que podem levar ao câncer. Na mistura B20, por exemplo, o formaldeído teve um aumento de 40% em relação ao diesel.
O pesquisador afirma que o principal efeito do aumento das carbonilas é que elas reagem com nitrogênio atmosférico e luz solar, formando ozônio troposférico. "O ozônio está sempre relacionado com proteção, mas é preciso lembrar que esse fator de proteção é quando ele se encontra na estratosfera (segunda camada da atmosfera), onde a camada de ozônio absorve a radiação UV. Entretanto, quando está na troposfera (primeira camada da atmosfera, onde os seres vivos vivem), se torna um poderoso poluente, provocando o smog, faixa de poluição roxa acinzentada, capaz de causar problemas respiratórios, irritação nos olhos, além de degradar monumentos artísticos, plásticos, tecidos e plantas.

Segundo Corrêa, outros compostos de enxofre, como tiofenos e sulfetos, serão analisados seguindo os mesmos parâmetros desse estudo. Contudo, ele conta que seu atual interesse está na emissão de gases tóxicos liberados por motos, especialmente as de até 250 cilindradas (cc), que não são vistoriadas. No caso, não é o tipo de combustível que conta, mas a tecnologia empregada. "A legislação que regula emissão de poluentes para esse meio de transporte é mais restrita aos modelos acima de 250 cc, embora a grande maioria de motos em circulação seja de 125 a150 cc", diz.

O número de motocicletas está em constante crescimento e já corresponde a 24% da frota brasileira de veículos. Em estudos preliminares, o pesquisador observou que elas poluem de 11 a 17 vezes mais que os carros. Isso "porque, além de não possuírem catalisadores, que servem para converter os gases mal queimados em CO2, o sistema de alimentação de combustível nas motos, salvo raras exceções, ainda é feito por carburador, liberando mais poluentes do que os carros, que contam com sistema de injeção eletrônica".

Diante da presença de tantos gases tóxicos na atmosfera, entendemos porque os problemas respiratórios, cada vez mais frequentes, se tornaram questão de saúde pública. "Para reverter esse quadro é preciso mais investimentos, públicos e privados, em energia limpa, como a solar, que não produz resíduos (ou produz muito pouco) e em energia renovável, como os biocombustíveis, obtida de fontes naturais, que além de inesgotáveis, atenuam o efeito estufa, já que consomem parte dos gases intensificadores desse processo, como o CO2. Além disso, claro, o esforço de cada cidadão em manter seus veículos regulamentados, ajuda a não aumentar as estatísticas das reclamações do Inea", conclui Corrêa.


Fonte: Elena Mandarim, FAPERJ
Saiba mais: Cartilha Sebrae