quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Petróleo - Mudanças à vista

O maior vazamento da história da indústria  petrolífera,  ocorrido este  ano,  lançou  novos  olhares  sobre a  extração  em  águas  profundas.  De acordo  com  especialistas,  a  catástrofe no Golfo do México terá como consequência  não  apenas  o  reforço  na  segurança  de  todos  os  procedimentos de  extração  de  petróleo  e  gás  e  da perfuração  de  poços, mas  também  o incremento na pesquisa de prevenção de acidentes e o aumento no rigor da fiscalização das atividades da indústria pelas agências reguladoras.
No  dia  20  de  abril,  a  plataforma Deepwater Horizon, da empresa British Petroleum (BP), explodiu no Golfo  do México,  matando  11  pessoas.  Após  a  explosão,  a  estrutura de perfuração – que operava a 1.500 metros de profundidade – começou a vazar e despejou, até o fim de julho, cerca de 5 milhões de barris de petróleo no oceano, atingindo uma parte significativa da  região  costeira  americana – principalmente o estado de Louisiana,  onde  a  pesca  foi  afetadae  ainda  se  contabilizam  os  estragos na flora e na fauna de seus pântanos, além dos impactos no turismo.
Os  trabalhos  para  selar  o  poço no  fundo  do mar  foram  realizados. A  indústria petrolífera    sentiu  a  repercussão do acidente: a BP viu suas ações  despencarem  e  anunciou  um prejuízo  de  32  bilhões  de  dólares, sendo  que,  aproximadamente,  3  bilhões  já foram gastos na  limpeza do mar e nos custos para tentar parar o vazamento, e 20 bilhões serão destinados a um  fundo que a empresa se comprometeu a criar para pagar  indenizações e compensar os prejuízos causados  pelo  acidente.  Para  arcar com  todos  os  custos,  a  companhia está colocando à venda alguns de seus ativos  e  suspendeu  o  pagamento  de bônus a seus executivos.
Em  artigo  publicado  no  Globo, em 8 de agosto, o presidente do Crea-RJ,  Agostinho  Guerreiro,  advertiu que  a  complexidade  do  acidente  e  a demora de sua resolução causam preocupações com normas adequadas de segurança para todo o processo de extração petrolífera submarina. No Brasil, segundo ele, o acidente acelerou os trabalhos para se colocar em pauta na Câmara o Plano Nacional de Contingência  para Derramamento  de Óleo.
“A grande quantidade de plataformas no nosso  litoral não deixa esquecer a necessidade  urgente  da  regulamentação,  prevista  em  lei  desde  2000.  Se um  acidente parecido ocorresse  aqui, as empresas que exploram o óleo em nossa costa, excetuando-se a Petrobras, não teriam condição de detê-lo, o que é preocupante”, frisou Agostinho.
Para  Adriano  Pires,  diretor  do Centro  Brasileiro  de  Infraestrutura, o  acidente  é  um marco  e  serviu  de alerta para a  indústria. “Muita gente achava que explorar petróleo no mar não  trazia  tantos  riscos  ambientais. Essa  impressão caiu por terra depois do vazamento e ainda estão sendo calculadas a extensão e a gravidade dos danos.  Atualmente,  apenas  20%  do petróleo do mundo  são oriundos do mar, mas a taxa de crescimento deste tipo de produção  é maior. Portanto, furar  cada  vez mais  poços  em  águas cada  vez mais  profundas  e  distantes da costa aumenta em muito os riscos de acidentes. É um alerta  tanto para as empresas quanto para os governos, que  precisam  fiscalizar  a  exploração de forma mais rigorosa”, acredita.
A investigação  para  apurar  as causas do acidente ainda está em andamento,  mas  algumas  hipóteses  já estão  sendo  levantadas.  De  acordo com  o  diretor  de  tecnologia  e  inovação  da  Coppe-UFRJ,  engenheiro Segen  Stefen,  os  indícios  apontam problemas  nos  procedimentos  de perfuração.  “Há  controvérsias  sobre os  procedimentos  finais. Havia  uma certa pressa em terminar aquele poço.
Existe a teoria de que houve um vazamento, e os equipamentos existentes para contê-lo foram insuficientes, em uma cadeia de eventos que vão desde falha mecânica ao erro humano, possivelmente. Então esse óleo subiu em alta  pressão  e  chegou  à  plataforma, causando a explosão”, explica.
Segundo  Segen,  as  medidas  de prevenção  utilizadas  hoje  pela  indústria possuem padrões avançados, mas é preciso  transformar  o  trágico  acidente em  aprendizado  para reforçá-las.  O  pesquisador acredita que a indústria  deve  caminhar para  uma  padronização  internacional  de segurança.  “O  acidente não  pode  ser  subestimado.  Em  engenharia, nós  sempre  temos  que aprender  lições  com este  tipo  de  situação.
Em  indústrias  de  alto risco, como a petrolífera e a nuclear, é necessário diminuir a  probabilidade  de  falhas,  pois  as consequências de um acidente, como nos foi mostrado neste episódio, são muito graves”, afirma.
Estudos da Coppe mostram que a  utilização  de  dois  equipamentos  chamados  Blow Out  Preventer (BOP), usados na interseção entre o poço  e o  solo marinho,  seriam  importantes para aumentar a segurança.  As  plataformas  atuais  possuem apenas  um  equipamento.  “Quando se  faz  uma  perfuração  para  atingir o acúmulo de petróleo e gás, o BOP é colocado no fundo do mar, no que chamamos de  ‘cabeça do poço’. Ele corta o duto que  conduz  a broca  e outros  aparelhos  para  perfuração  e faz a vedação. Nossos estudos mostram que, ao invés de se usar apenas um  sistema  de  corte  e  vedação,  se forem colocados dois BOPs, no caso de falha de um, você pode acionar o outro”, explica Segen.
Além da urgência  em  se  estabelecer regras mais claras para a segurança de todo esse processo – frisou Agostinho Guerreiro, no mesmo artigo – a tragédia ambiental também traz à tona a importância de uma regulação séria para a distribuição dos royalties, pois é um grave exemplo da vulnerabilidade da costa dos estados produtores. Recentemente, lembra o presidente do Crea-RJ, o Estado do Rio recebeu um golpe quando o Senado  aprovou  a Emenda  Ibsen,  que prevê  que  a  divisão  do  montante seja  feita  de  forma  igualitária  entre estados  produtores  e  não  produtores. “Espera-se que o presidente Lula vete”, arrematou Agostinho.
Os custos ambientais e financeiros do vazamento ainda estão sendo avaliados, e há quem diga que a exploração  em  águas  profundas  deve encarecer. Para o diretor da Coppe, porém, este aumento do preço não inviabiliza  a  exploração,  uma  vez que o petróleo ainda será, pelo menos pelas próximas décadas, o principal motor da economia planetária.
“Este acidente foi um caso  isolado, acho muito  difícil  acontecer  outro com  esta magnitude. Após  as  inúmeras  tentativas  de  contenção  do vazamento, se chegou a falar que asseguradoras das empresas petrolíferas poderiam aumentar seus preços, e que  esta  alta poderia  encarecer  a produção. Na minha  opinião,  esteaumento não chega a comprometer o retorno que a  indústria  tem com a exploração. Ninguém vai mudar a matriz energética nos próximos cinco, dez ou 15 anos”, prevê.
De  acordo  com  Adriano  Pires,  o  aumento  da  fiscalização  dasagências reguladoras e do rigor dos órgãos  ambientais  na  emissão  de licenças  pode  encarecer  um  pouco mais a produção, mas  isso deve variar  muito  de  país  para  país,  e as  companhias  vão  procurar  alternativas.  “Recentemente,  a  Exxon Mobil,  a  Shell  e  a  Chevron  anunciaram uma  joint venture para desenvolver, operar  e manter  equipamentos que  evitem  acidentes, uma vez que este  foi caro demais. A BP quase  quebrou”,  exemplifica.  Ele aposta  em  um  investimento maior na diversificação das matrizes energéticas.  “Energia  é  algo  com  uma inércia muito  grande, não  se  troca uma  pela  outra  em  pouco  tempo.
  uma  série  de  alternativas  limpas    descobertas,  mas  que  ainda  são muito  caras.  Com  a maior conscientização  sobre  o  tema,  e  a pressão  dos  ambientalistas,  essa diversificação  tende a acontecer de forma mais rápida, porém mais regional. O Brasil, por exemplo, terá uma grande vantagem na produção de  biocombustível,  assim  como  os Estados Unidos na produção de hidrogênio”, acredita.
No  fim  de  março,  pouco  antes  do  acidente,  o  presidente norte-americano Barack Obama havia  anunciado  a  autorização para o aumento da exploração de petróleo em alto mar – medida que foi rapidamente revertida após a explosão da plataforma no Golfo do México. Havia, entre os planos, a autorização para a perfuração de poços no Alasca, área protegida por uma  legislação ambiental de 1981. A suspensão das atividades por seis meses foi derrubada no fm de junho, mas, pouco depois, em julho, o presidente anunciou nova decisão. Neste mesmo mês, o comissário de Energia da União Europeia, Guenther Oettinger, propôs suspender  temporariamente a exploração em águas profundas no Mar do Norte, no Mar Negro e no Mediterrâneo. A Noruega, que não faz parte do bloco, também proibiu a atividade no Mar do Norte.
Ao mesmo tempo, no Brasil, o governo anunciava o início da exploração das reservas do pré-sal no Espírito Santo, que foram descobertas em 2008. A  inauguração do campo dividiu especialistas da  área, mas o  consenso  é de que  a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve, neste momento, assumir um papel de maior protagonismo na regulamentação da exploração.
Para Segen Stefen, o país não deve  interromper seus trabalhos. “Não devemos parar a exploração porque estamos vivendo um momento decisivo para a indústria com o pré-sal. Mas o Brasil também não pode dar uma de esperto e achar que está por cima. Não pode interromper, mas é preciso aumentar a atuação da ANP na fscalização, capacitá-la com quadros técnicos fortes. Hoje, falta massa crítica de técnicos para dar conta desta tarefa”, critica.
Na opinião de Adriano Pires, o país não pode prescindir da riqueza do pré-sal, mas é preciso cautela. “Eu fico preocupado com um certo populismo do governo dizendo que esse tipo de acidente não vai acontecer aqui. É preciso que a ANP não seja capturada por  interesses políticos, tenha mais  independência para poder fiscalizar as empresas. Acho muito complicado, por exemplo, discutirmos o marco regulatório do pré-sal em plena época de eleição, pois não é o cenário ideal para uma discussão mais serena”, alerta Adriano Pires.
O diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, afrma, no entanto, que o rigor vai aumentar. “O acidente só reforça o nosso papel. Estamos nos preparando para aperfeiçoar a regulamentação de segurança operacional e para reforçar a nossa fscalização. No Brasil, a fscalização exige que o concessionário prove à ANP que está operando com o menor risco possível. Se a nossa fscalização encontra, por exemplo, um parafuso defeituoso em uma sonda, exigimos não só que o parafuso  seja  substituído, mas  também uma  investigação sobre  o  problema.  Esse  nosso  conceito  de  fscalização  tem  sido muito elogiado pelos especialistas em segurança operacional no mundo e também pela imprensa internacional”, diz.
Recentemente, o órgão divulgou que está elaborando, em conjunto  com  o Ministério  do Meio  Ambiente  e  a Marinha,  o Plano Nacional de Contingência. De acordo com Haroldo Lima, a agência reguladora está analisando as informações enviadas pelas empresas  petrolíferas  a  respeito  da  situação  dos  poços brasileiros e dos planos de contingência.


Fonte: CREA-RJ