domingo, 5 de dezembro de 2010

A questão nuclear em foco

A Comissão Nacional de energia Nuclear (Cnen) emitiu no dia 31 de maio a licença de construção da usina nuclear de angra 3. o documento era o único que faltava para que a eletronuclear iniciasse a concretagem da laje do edifício do reator, considerado o marco zero das obras da usina. Diante da constante polêmica em torno do uso da energia nuclear, a revista do CREA-RJ publicou, nesta edição, três artigos sobre o tema: um a favor, outro contra e um terceiro da própria CNEN. Confra.

Após parecer contrário ao licenciamento por parte de seus técnicos, a Comissão Nacional de Energia Nucelar (Cnen) manobra para licenciar Angra 3 sem considerar aspectos essenciais de segurança. Um relatório incompleto foi entregue pela Eletronuclear  à Cnen  e  a  análise deste documento  resultaria,  em 31 de maio de  2010, na  licença para  construção da nova usina.  A história envolve um programa misterioso, relações comprometidas entre empresas e órgão fiscalizador e outros fatores.
Em 2007 e em 2008,  o  documento  foi  revisado, deixando  de  lado  pontos  importantes  como  a  análise probabilística de  segurança  e  acidentes  severos. Os critérios para gerenciamento de acidentes também não constam no projeto, evidenciando a falta de protocolos em caso de acidentes.
Angra 3  é  um  reator  Konvoi  alemão,  desenhado na década de 70, antes dos grandes acidentes nucleares e, portanto,  sem  as melhorias advindas a partir desses grandes acontecimentos e de 40 anos de avanço  tecnológico. Da forma  como  está  não  seria  aceito  para  uso em  lugar algum do mundo por  ferir diferentes normas nacionais e internacionais.
Um  dos  técnicos  responsáveis  pelo  licenciamento de Angra  3 – que deu parecer contrário e agora passa por sindicância  interna, como  forma de repressão por ter  falado aos  jornais – denuncia: “Os critérios de  segurança pós-TMI exigem, entre outras coisas, um novo projeto para o edifício do  reator de Angra  3, com  requisitos  adicionais  para  a  contenção,  última  barreira contra  a  liberação  de  material  radioativo”(Jornal  do Brasil, 31/03/2010).
Este  licenciamento,  sem  considerar  a  segurança  e  tentando  burlar a  lei colocando os relatórios essenciais de  segurança  como  condicionantes,  é  o maior exemplo do descaso que o programa nuclear tem com a população. Precisamos de transparência no setor. A Cnen poderá  incluir  em  sua página da internet os documentos de engenharia comprobatórios. Por que não? Isto é transparência do licenciamento. Nos Estados Unidos, a Nuclear Regulatory Commission (NRC) divulga a documentação de licenciamento das usinas nucleares americanas há décadas. Basta ir à página na internet (www.nrc.gov) e verificar as informações.
A verdade é que o programa nuclear está com pressa. A  progressiva  redução  dos  preços  de  energias  renováveis, limpas e seguras, pode descartar a tecnologia nuclear no futuro. Refazer  contrato,  projeto  e  licença  pode  demorar muito  tempo. Pode inviabilizar o projeto de Angra 3. Pode até mesmo sair mais caro que um novo e moderno reator, caso o fabricado na década de 1970 tenha que ser redesenhado.
  • Ricardo Baitelo, engenheiro elétrico e coordenador da campanha  de  energias  renováveis  do  Greenpeace Brasil. André Amaral, biólogo e coordenador da campanha de energia nuclear do Greenpeace Brasil.

A indústria mundial de  geração elétrica  nuclear   acumulou, mais de 14.000 reatores-ano de experiência operacional do  final da década de  50  até hoje. São 436 usinas nucleares distribuídas por 34 países, porém, concentrada naqueles mais desenvolvidos, que respondem atualmente por 16% de toda a geração elétrica mundial.
Dezesseis países dependem da energia nuclear para produzir mais de 1/4 de  suas necessidades de  eletricidade.  França  e  Lituânia  obtêm  cerca  de 3/4 de sua energia elétrica da fonte nuclear, enquanto Bélgica, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Coréia do Sul, Suécia,  Suíça,  Eslovênia  e Ucrânia mais  de  1/3.  Japão, Alemanha e Finlândia geram mais de  1/4, enquanto os EUA cerca de 1/3.
Apesar  de  poucas  unidades  terem  sido  construídas nos últimos  15 anos, as usinas nucleares  existentes  estão produzindo mais  eletricidade.  O  aumento  na  geração nos últimos sete anos equivale a 30 novas usinas e  foi obtido pela repotencialização e melhoria do desempenho das unidades existentes.
Entretanto,  existem  renovadas  perspectivas, hoje, para novas usinas tanto em países com um parque nuclear estabelecido como em alguns novos países. Os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) são particularmente importantes nesse contexto.
Atualmente,  53 usinas  encontram-se  em  construção no mundo  (Angra 3  é uma delas),  às quais  se  somam encomendas firmes para outras 135. Além dessas, mais 295 consideradas até 2030 pelo planejamento energético de diversos países (dentre os quais o Brasil, que planeja de 4 a 8 usinas adicionais nesse horizonte de tempo).
A geração elétrica nuclear deve ser colocada no contexto mais amplo do desenvolvimento energético mundial. Esse tema retornou ao debate público após ter ficado muitos anos à margem depois das crises do petróleo dos anos 70.
Isso se deve a preocupações renovadas sobre a segurança do  fornecimento de óleo  e  gás  em  longo prazo, indicada pela significativa escalada de preços, mas também pelas preocupações com as consequências ambientais da contínua exploração em massa dos recursos em combustíveis fósseis.
Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável,  as mais  recentes  análises de  ciclo de vida das várias opções  de  geração  elétrica  não  conseguem  elaborar  um cenário para os próximos 50 anos no qual não haja uma significativa participação da fonte nuclear para atender às demandas de geração de energia concentrada, juntamente com as renováveis, para atender às necessidades dispersas.
A  alternativa  a  isto  seria  exaurir  os  combustíveis fósseis, aumentando brutalmente a emissão de gases de efeito estufa, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade  de  vida  para  bilhões  de  pessoas  da  geração  de nossos netos.
  • Leonam dos Santos Guimarães, assistente da Presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de assessoria em energia Nuclear do Diretor-Geral da AIEA.

O Processo  de  Licenciamento  de Instalações Nucleares  é  caracterizado por diversos atos regulatórios. O primeiro deles é a Aprovação do Local. A decisão é tomada com base na aprovação do Relatório de Local  (RL). A Licença de Construção (LC) é o segundo ato regulatório e é emitida com base na avaliação e aprovação do Relatório  Preliminar  de Análise  de  Segurança  (RPAS) da  instalação. O RPAS  contém,  entre  outras  informações, as bases (de engenharia e normativa) de projeto, descrição de sistemas, componentes e equipamentos que  asseguram  o  desligamento  seguro  e  a manutenção do nível de  segurança do reator nos diversos modos de operação, fazendo frente aos vários acidentes postulados.
No caso de Angra 3, o RPAS é composto de 19 capítulos contidos em mais de 5.000 páginas. A avaliação do RPAS permitiu que a Comissão Nacional de Energia Nuclear  (Cnen)  expedisse uma Licença de Construção (LC), com condicionantes, para Angra 3. As avaliações feitas pela Cnen dentro do processo de  licenciamento de Angra 3,   geraram cerca de oitenta pareceres  técnicos, não  tendo sido identificada nenhuma exigência impeditiva à concessão da LC expedida.
Quanto  aos  dois  temas  em  discussão, recomendações  originadas  das  lições  do acidente de Three Miles Island (TMI) e acidentes severos, cabe esclarecer que, com base nas avaliações realizadas pela Cnen e considerando que as recomendações originadas a partir do acidente de TMI foram incorporadas  nas  usinas  alemãs,  inclusive  a  de Grafenrheinfeld (GGK), usina de referência da Angra 2, que por sua vez é a usina de referência da Angra 3, constata-se que todas as recomendações pertinentes quanto à segurança, e aplicáveis nesta fase do projeto, foram incorporadas ao projeto de Angra 3.
Por outro lado, o tema acidentes severos vem merecendo a atenção da Cnen. Nesse sentido, foi solicitado à Eletronuclear que  inclua no Relatório Final de Análise de Segurança estudos e avaliações com relação ao tema, conforme condicionante constante da Licença de Construção (Resolução Cnen 77/2010).
Em  resumo,  a Cnen procedeu  à  avaliação de  segurança nuclear de Angra 3 e concedeu a Licença de Construção dessa usina de acordo com a legislação nacional pertinente e as boas práticas internacionais no campo da regulação de reatores nucleares de potência. Esta licença foi concedida depois de um longo, minucioso e criterioso processo de licenciamento conduzido por uma equipe de mais de 40 especialistas em segurança nuclear, em sua maioria doutores e mestres, durante um período de mais de cinco anos.
  • Cnen (Comissão Nacional de energia Nuclear)

Fonte: CREA-RJ