O evento foi promovido pela Fundação, pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo InterAcademy Panel (IAP) – rede que reúne academias de ciências de diversos países.
“Com essa discussão, perde-se a oportunidade de se debater de fato os impactos sociais mais relevantes. Muitas oportunidades estão sendo perdidas na África, por exemplo, onde a ideia de agricultura para acabar com a fome é o argumento político mais recorrente”, disse Emile Van Zyl, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.
Van Zyl apresentou um panorama das tecnologias de conversão de celulose, com destaque para o processo de bioprocessamento consolidado (CBP), no qual as quatro transformações envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sacarificação, fermentação de hexoses e fermentação de pentoses) ocorrem em uma só fase.
“O processo de bioprocessamento consolidado vem barateando os custos da produção, que ainda são altos. Ou seja, o obstáculo ainda é o processo, mas um dos maiores desafios é pensar no insumo, porque as tecnologias estarão disponíveis em um futuro próximo”, salientou.
Segundo ele, na América do Sul e, principalmente, na África, existem áreas abandonadas com potencial de utilização para a produção de biocombustíveis sem comprometer a de alimentos. “O problema na África é a pobreza, não a capacidade de explorar esse potencial agrícola para biocombustíveis”, afirmou.
No estudo apresentado, o professor sul-africano demonstrou que a África poderia produzir cerca de 100 milhões de toneladas por ano de biomassa celulósica não alimentícia. Outro dado significativo é que, em 2003, havia um excesso de 4 milhões de toneladas de milho.
“Isso vem diminuindo, mas todos os anos queimamos milhares de toneladas de gramíneas (que poderiam ser usadas na produção de biocombustíveis) sem nenhum motivo. Com esse excesso, a África poderia reduzir o consumo de combustíveis fósseis, exportar e gerar milhares de empregos”, disse.
Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, analisou dados relacionados ao uso do solo no Brasil, em particular em São Paulo, e o trabalho agrícola. Para ele, parece haver um consenso de que o mundo não está convencido da possibilidade do uso de biocombustíveis em larga escala.
“No debate envolvendo brasileiro versus europeu, por exemplo, parece haver uma discussão entre pessoas que não se entendem. O que devemos fazer é sincronizar esse entendimento e permitir que cada região conheça os seus limites”, ressaltou.
Segundo Brito Cruz, essa compreensão é importante porque, no Brasil, não há um sentimento tão forte de rejeição aos biocombustíveis. “Os números da expansão da cana-de-açúcar vão ao encontro dessa perspectiva e destacam a existência de áreas que ainda podem ser exploradas”, disse.
Dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) indicam que o Brasil tinha, em 2008, cerca de 851 milhões de hectares aráveis, dos quais parte é usada por diversas culturas. A área para pastagens ocupa cerca de 49% desse total. Segundo Brito Cruz, ainda existem cerca de 106 milhões de hectares no país que não estão sendo usados nem para pastagens nem para plantações.
“São Paulo expandiu as áreas de cultivo de cana-de-açúcar para produção do etanol e os estudos mostram que quem mais cedeu espaço para a cana foi a pecuária, mas isso não levou à diminuição no rebanho do país”, disse, ao destacar que no Brasil a criação ainda se dá na forma extensiva.
De 2003 a 2009, a área total do cultivo da cana disponível para a colheita no Estado de São Paulo passou de 2,57 milhões para 4,89 milhões de hectares, segundo dados do último relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Brito Cruz destacou também a diminuição da colheita sem queima e o protocolo assinado em 2007 pelo governo do Estado de São Paulo, que prevê a eliminação gradativa da queima da cana-de-açúcar até 2014 nas áreas mecanizáveis. O relatório referente à safra de 2009/2010 aponta que cerca de 55% da colheita foi realizada sem fogo, contra 45% em que se utilizou a queima.
“Com a mecanização da colheita, outro desafio para a produção de biocombustíveis passa inevitavelmente pelo trabalhador agrícola, cujo perfil tem mudado nos últimos anos”, disse.
De acordo com Cylon Gonçalves da Silva, professor emérito do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador adjunto da FAPESP para Programas Especiais, não existe outro caminho a longo prazo.
“A substituição gradativa dos combustíveis fósseis por outras fontes renováveis é um caminho sem volta. Mas estou convencido de que, a longo prazo, precisaremos de uma transformação radical nos hábitos da humanidade em relação aos meios de transporte, se pretendemos chegar a uma prática efetiva de sustentabilidade, uma vez que existem limites aos consertos científicos e tecnológicos para essa demanda eternamente crescente”, destacou.
A questão não é se os biocombustíveis são a solução para os problemas de suprimento sustentável de energia, mas como eles devem ser implantados. As maneiras como os novos combustíveis serão implantados e quais são mais viáveis são questões que dependem das características de cada país, as quais devem ser respeitadas, de acordo com os especialistas presentes.
Mesmo os motivos que levam à adoção desses combustíveis são diversos e têm pesos diferentes para cada nação: o preço mais baixo em relação a outras fontes energéticas, como solar, eólica e hidrogênio; a necessidade de mitigar as emissões de gases de efeito estufa; ou o fato de ser a única alternativa viável no curto prazo para substituir os combustíveis fósseis são alguns exemplos.
Um dos principais desafios para a expansão no uso dos biocombustíveis está no início da cadeia produtiva: as mudanças no uso da terra. Segundo os pesquisadores, ainda é necessário aumentar a qualidade e a confiabilidade dos dados coletados nessa área, fundamentais para avaliar a sustentabilidade da produção.
A produção brasileira de cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol, foi utilizada como exemplo por Joaquim Seabra, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), e Leila Harfuch, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), para ilustrar a questão.
“O Brasil é muito grande e possui diferentes dinâmicas agrícolas, o que torna a medição um problema complexo”, disse Leila. Para complicar, os diferentes parâmetros de medição também produzem resultados diversos, dificultando a análise.
Para contornar o problema, a pesquisadora propõe acrescentar outras fontes de dados provenientes de microrregiões. Entre os dados a serem aprimorados estão os índices de expansão e de substituição das lavouras.
A precisão desses números é fundamental, entre outras razões, para determinar o balanço de gases de efeito estufa e se está ocorrendo ou não degradação de áreas naturais em favor da agricultura.
O impacto de plantações de cana-de-açúcar no ciclo do carbono, por exemplo, depende do tipo de cobertura que existia no local da lavoura. Heitor Cantarella, do Instituto Agronômico de Campinas, apresentou dados que mostram que a cana-de-açúcar absorve mais carbono em relação às pastagens. No entanto, se a plantação substituir uma floresta, a nova cobertura vegetal vai absorver menos carbono.
Outra conclusão do evento foi a de que o Brasil precisa melhorar os modelos dinâmicos utilizados para estudar o uso da terra. Esses modelos precisam aumentar em número e também testar mais cenários.
Também foi ressaltada a necessidade de pesquisas mais abrangentes que abordem as diversas relações envolvidas na produção de biocombustíveis, como as questões que envolvem agricultura, florestas, bioenergia, ecossistemas e ciclo de gases estufa, entre outros.
Mesmo com esses obstáculos, o Brasil foi destacado pelos pesquisadores presentes no workshop como um caso exemplar de sucesso na implantação de biocombustível, devido à sua experiência com o etanol da cana-de-açúcar.
Utilizando apenas 1% das terras aráveis, as plantações de cana brasileiras substituem cerca de 30% da gasolina consumida no país, de maneira economicamente viável e sem a necessidade de subsídios, destacaram os relatores na conclusão do evento.
Segundo eles, os aspectos sociais da produção da cana-de-açúcar também têm melhorado no país, que apresenta dados de evolução da escolaridade entre as gerações de trabalhadores da cana-de-açúcar.
Fonte: Agência FAPESP