“É preciso conhecer os limites do planeta e definir melhor o que se entende por sustentabilidade”, disse Arnaldo Alves Cardoso, professor do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que coordena o projeto de pesquisa Effects of emissions on current and future rainfall patterns in Southeast Brazil, apoiado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Segundo Cardoso, o desenvolvimento econômico dos países traz com ele o aumento no consumo de produtos e serviços, o que causa uma contradição: quanto mais rica uma nação se torna, maior será o impacto que ela provocará sobre o planeta.
Como exemplo, citou dados da Energy Information Administration (EIA) dos Estados Unidos, segundo os quais o país consumiu 71,4 exajoules de energia em 2006, enquanto o Brasil consumiu 8 exajoules e Moçambique, 0,207 exajoule, no mesmo período.
“Ou seja, Moçambique leva 345 anos para consumir a quantidade de energia que os Estados Unidos gastam em apenas um ano”, comparou Cardoso, para quem os desejos de consumo também provocam uma contradição.
“Queremos ter um belo carro, morar em um grande apartamento voltado para uma floresta e, de preferência, perto de uma praia ou cachoeira. E não nos damos conta de que o avanço dos padrões de consumo está exaurindo o planeta”, disse Cardoso.
O pesquisador destacou o artigo A safe operating space for humanity, escrito pelo grupo de Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo, Suécia, publicado na edição de setembro de 2009 da revista Nature.
O artigo listou nove limites críticos para a sustentabilidade do planeta: mudanças climáticas; perda da biodiversidade; interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fósforo; uso de água potável; alterações no uso do solo; carga de aerossóis atmosféricos; poluição química; acidificação dos oceanos; e perda do ozônio estratosférico.
Três áreas já teriam ultrapassado o limite da sustentabilidade: mudanças climáticas, perda da biodiversidade e o ciclo do nitrogênio. A expansão da agricultura seria, na opinião do professor da Unesp, um dos fatores que mais afetam o planeta. “A agricultura é uma atividade que influencia todos os nove limites divulgados no artigo de Rockström e colegas”, disse Cardoso à Agência FAPESP.
Utilizado nas lavouras como fertilizante, o nitrogênio é importado por vários países agrícolas, incluindo o Brasil, e apenas parte desse elemento é incorporado ao produto. A maior quantidade fica no ambiente em que é aplicado.
“As plantas absorvem, no máximo, 30% do nitrogênio aplicado no solo e todo o excedente fica no país que utiliza o fertilizante”, disse o professor, que também coordena o projeto Deposição atmosférica de espécies químicas nitrogenadas em corpos de água superficial, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Além de ser um importante contaminante e formador do óxido nitroso, um dos mais poderosos gases de efeito estufa, o nitrogênio também tem sido extraído da natureza de maneira desequilibrada, segundo Cardoso.
Em 1990, quando a produção mundial de nitrogênio atingiu 80 milhões de toneladas, o homem igualou a capacidade natural do planeta de utilizar esse elemento. Desde então, com índices crescentes de 156 milhões de toneladas em 1995 e 187 milhões em 2005, mais nitrogênio tem sido retirado da natureza, o que pode levar à escassez do elemento fundamental para a produção de alimentos e de bioenergia. “O nitrogênio tem um papel fundamental na agricultura. Sem ele, cerca de 3 bilhões de pessoas, metade da população mundial, não estariam aqui hoje”, disse Cardoso, explicando que o elemento foi crucial na chamada revolução verde, proporcionando, por exemplo, um salto na produção de trigo na Índia de 12 milhões de toneladas, em 1965, para 73,5 milhões de toneladas em 1999. Esse é um problema a ser enfrentado também na produção de biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol da cana-de-açúcar, de acordo com o cientista.
Cardoso destacou outro fator de forte impacto ambiental, especialmente no Brasil: a falta de tratamento de esgoto. Segundo o Sistema Nacional de Informação Sanitária (SNIS), em 2004 apenas 32,5% do esgoto produzido no Brasil recebia algum tipo de tratamento. Além disso, a parte do esgoto que é tratada não retira as moléculas mais complexas. “Aquilo que chamamos de água limpa que sai dos tratamentos contém fármacos, hormônios, nitratos, sulfatos e fosfatos – e esses últimos vão para os rios gerando a proliferação de algas”, disse. “Não sou contra o tratamento atual de esgoto, que é um serviço muito importante, mas é preciso dizer que ele precisa ser aperfeiçoado”, afirmou o professor, ressaltando que é crucial investir em tecnologia para que a química consiga atingir também o chamado nível terciário de tratamento de esgoto, que ataca essas substâncias.
Em relação ao consumo de energia, Cardoso coloca um vilão ambiental muito encontrado nas grandes cidades: a combustão. “Toda combustão é um processo de quebra e reorganização e produz sempre óxido de nitrogênio, composto envolvido na formação do ozônio”, explicou. Importante elemento da alta atmosfera, por servir de filtro aos raios solares ultravioleta, na baixa atmosfera o ozônio pode ser nocivo. Cardoso citou uma medição feita em Araraquara, que apontou o aumento da presença desse gás na cidade.
O grupo de pesquisa da Unesp encontrou quase 70 partes por bilhão (ppb) na cidade paulista, enquanto o índice máximo recomendado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos é de 75 ppb. Com a combustão provocada principalmente por indústrias e veículos, o ozônio tem subido a taxas de 1% a 2% ao ano em áreas remotas. “Precisamos conhecer as consequências disso, mas ninguém está falando desse problema”, disse. Outro subproduto da combustão é o nitrogênio. Sua deposição a partir da atmosfera tem provocado a eutrofização dos oceanos, que é a proliferação de algas, e o aumento da acidez dos mares devido à formação de ácido nítrico.
Para Cardoso, contornar esses obstáculos requer uma participação dos químicos e de mais divulgação sobre essa matéria para a população. “Plantar uma árvore que exala aromas em um grande centro, por exemplo, pode piorar a qualidade do ar, pois ao exalar compostos orgânicos voláteis ela vai contribuir para formar mais ozônio”, disse.
Desenvolver tecnologias para o tratamento de esgoto terciário, criar fertilizantes inteligentes que sejam liberados conforme a capacidade de absorção das plantas, pesquisas de alternativas energéticas que dispensem a combustão, buscar alternativas para reduzir as emissões de orgânicos voláteis são algumas pautas sugeridas por Cardoso para os profissionais da química.
O professor ainda defende uma revisão do ensino de química em todos os níveis de formação. “É preciso que esses problemas também sejam colocados em sala de aula, para que os alunos sintam que a química está muito mais relacionada com o nosso cotidiano do que se imagina”, disse.
Fonte: Agência FAPESP