Numa reunião familiar – dessas que não costumam fazer parte da dinâmica das famílias modernas, mas que quando acontecem é porque o assunto é coisa séria –, o estudante João, de 20 anos, foi surpreendido com uma acusação. "Achamos que você usa drogas", ouviu de sua mãe e de uma tia bastante próxima. A primeira reação do jovem foi negar. Não convencidas, elas sugeriram: "O que você acharia de se submeter a um exame antidrogas?". No início, João recusou. Foi preciso que mãe e tia insistissem muito para que o rapaz concordasse com a proposta. Uma semana depois, sabia-se exatamente quais as drogas que ele havia consumido e em que quantidade. Uma mecha de cabelo foi o suficiente para provar que João é usuário freqüente de maconha e ecstasy. "Ele levou um susto, talvez porque não imaginasse que esse exame revelaria o consumo de até três meses antes", diz a tia. João, agora, está em tratamento psicológico três vezes por semana. Em noventa dias, ele já sabe, terá de repetir o teste. Beneficiados pelo anonimato, pais angustiados encontraram na internet um caminho para investigar se seu filho ou filha está consumindo alguma droga. No Brasil, estão disponíveis pelo menos três tipos de testes que avaliam a presença de substâncias químicas no suor, na saliva, no cabelo e até mesmo na superfície de objetos de uso rotineiro, como celulares, roupas, carteiras e o volante do carro. Os testes são encomendados pela internet e o material coletado é enviado para análise pelo correio. O resultado sai em pouco tempo. Alguns são dados na hora.
Na cidade de Tustin, na Califórnia, uma organização não-governamental começou a distribuir gratuitamente os kits caseiros de detecção de drogas. Muitas escolas americanas também se valem desse recurso para monitorar os estudantes. Dos 7.000 kits de drugwipe – um sistema de detecção de drogas muito parecido com o exame de gravidez – vendidos no Brasil desde 2003, 60% destinam-se a pais em busca de uma certeza sobre o comportamento de seus filhos. O slogan do fabricante promete "o fim da dúvida e o começo da solução". A procura por esses kits caseiros decorre da preocupação causada pelo consumo crescente de drogas entre adolescentes, principalmente maconha, cocaína e ecstasy. Segundo as estimativas, 15% dos jovens brasileiros já consumiram maconha. O uso de ecstasy aumenta mês a mês, conforme um levantamento feito pela filial brasileira do Psychemedics, o maior laboratório americano de testes de drogas, com base nos resultados positivos dos testes de cabelo. Passou de 7% dos casos em outubro de 2004 para 29% em setembro deste ano.
A transformação de um adolescente feliz e saudável em um dependente químico é o pior pesadelo para os pais. Eles têm todo o direito de acompanhar o que acontece com seu filho, mas será correto submetê-lo ao teste sem o seu consentimento, como ocorre freqüentemente? "O exame antidrogas deveria ser o último recurso utilizado pelos pais, jamais a primeira opção, como acontece em várias famílias", diz a psicóloga Lidia Weber, da Universidade Federal do Paraná. Isso porque uma atitude dessas pode minar a relação de confiança entre pais e filhos. "É uma quebra profunda em uma relação naturalmente delicada", afirma Maria Thereza de Aquino, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Existe, ainda, uma outra questão: como separar o jovem que está na fase de experimentar maconha daquele que já é um usuário contumaz de drogas pesadas? "Pais ansiosos podem acusar erradamente seus filhos de serem usuários habituais", escreveu Sharon Levy, pediatra da Escola de Medicina de Harvard, em um estudo sobre o assunto publicado naPediatrics, a principal revista científica de pediatria dos Estados Unidos. Segundo a médica, esse tipo de teste não deveria estar disponível para uso doméstico. Ela alerta para o fato de que resultados falsos positivos podem ocorrer, especialmente no caso das drogas derivadas das anfetaminas, como o ecstasy. Muita cafeína ou alguns medicamentos podem alterar o resultado final do teste, por exemplo.
Pais que recorrem aos kits caseiros argumentam que a desconfiança sobre as drogas é um debate eterno dentro de casa. E que o filho sempre nega até o fim. "Eu queria saber exatamente quais as drogas que minha filha consumia, para avaliar de que tipo de ajuda ela estava precisando", justificou o pai de uma usuária de cocaína, como agora se sabe, que fez o teste do cabelo sigilosamente. O argumento para tirar-lhe uma mecha foi o de que levaria a amostra com os fios a um médico ortomolecular. Nesses casos, insistem os psicólogos, nada melhor do que o diálogo e o convívio em família. "Por trás de um jovem envolvido com drogas há sempre alguma falha na estrutura familiar – o jovem é um reflexo dessa situação", diz Maria Thereza de Aquino. "Tratar de drogas é também tratar do pai e da mãe."
Fonte: Veja