segunda-feira, 26 de maio de 2014

Duração do sono foi reduzida em duas horas desde a década 60

Nas últimas cinco décadas, fomos espectadores - e personagens - de uma gigantesca revolução impulsionada pelo surgimento de tecnologias cada vez mais inovadoras. É difícil encontrar quem não esteja conectado. O preço de tanto estímulo, entretanto, parece ser bem mais caro do que qualquer tablet ou smartphone: duas horas de sono roubadas por dia. Pesquisadores de cinco universidades da Inglaterra e dos EUA calcularam que essa foi a média de redução do nosso descanso desde 1960.

E as consequências a longo prazo não são pouco graves: riscos maiores de desenvolver câncer, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade e outras infecções. A conclusão do trabalho - realizado por cientistas de Oxford, Cambridge, Harvard, Manchester e Surrey - apontou que tecnologias modernas e a sociedade alerta por 24 horas ajudam a fazer com que as pessoas vivam lutando contra seus relógios biológicos, o que pode provocar grandes mudanças no corpo humano.

Na avaliação do professor Russell Foster, da Universidade de Oxford, viver fora de sincronia com o ritmo do corpo também pode afetar o humor, a força física e esse tipo de prática representa um erro de comportamento.

- Somos uma espécie extremamente arrogante. Sentimos que podemos abandonar quatro bilhões de anos de evolução e ignorar o fato de que nós pertencemos a um ciclo que envolve a noite e o dia. Agir a longo prazo contra o nosso relógio biológico pode trazer sérios problemas - disse em entrevista ao jornal britânico “The Telegraph”.

A neurologista do Instituto do Sono e professora de Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Dalva Poyares concorda que esse novo estilo de vida patrocina uma agressão grave ao nosso organismo.

- O ser humano precisa tomar cuidado com a manipulação de suas necessidades biológicas, como a alimentação e o sono. É preciso combater a ideia de que dormir menos é sinônimo de produtividade. É justamente o contrário. Vamos desempenhar melhor nossas funções apenas após cumprirmos as necessárias horas de sono.

Dalva classifica os efeitos da redução do descanso como em danos de curto e de longo prazo. No primeiro grupo, enumeram-se itens como alterações no humor e cognição, diminuição da concentração e atenção, além de irritação. A longo prazo, os problemas são piores.

- Cresce a intolerância à glicose, o que promove uma tendência à diabetes; cai a produção do hormônio da adrenalina, algo que desregula a pressão arterial e pode causar a hipertensão; além dos danos à nossa imunidade, que favorece o desenvolvimento de cânceres. Quanto a isso, pesquisas recentes já observaram, por exemplo, que mulheres com problemas para dormir têm mais chance de apresentar câncer de mama - aponta a especialista. O problema, conclui Dalva, também pode favorecer, em menor grau, doenças da tireoide e arritmia cardíaca.

A especialista sublinha que nosso organismo não está geneticamente preparado para uma redução de duas horas de descanso em cinco décadas. Mas ela não acredita que esse número vá crescer daqui a diante.

- É uma questão de evolução. O exemplo maior é a nossa coluna. Até hoje ela não evoluiu totalmente ao ponto de se adaptar por completo a ficar em pé. Por isso, envelhece cedo. Com o sono acontece o mesmo. É preciso muito tempo para que ele se adapte ao encurtamento do descanso. Não conseguiremos dormir menos do que já dormimos hoje.

Do ponto de vista genético, Dalva avalia que o ideal é descansar sete horas e meia por dia. Mas esse total varia de acordo com cada pessoa. - O que temos de concreto é que o ponto de corte para que comecem os efeitos negativos é algo em torno de cinco horas e meia e seis horas.

Marilda Lipp, diretora do Instituto de Psicologia e Controle do Stress (IPCS) alerta que o problema pode ser ainda mais grave em adolescentes, que precisam de boas horas de sono para o funcionamento ideal de mecanismos hormonais e cerebrais responsáveis por sua formação.

- O problema mais grave dessa falta de sono crônica é que ela tem efeito cumulativo no organismo e pode afetar em cheio a memória das pessoas, mesmo muitos anos depois. O nosso corpo é uma máquina, e assim como todos esse novos equipamentos tecnológicos que nos causam tanto estímulo, ele também precisa descansar - aconselha.

As evidências alcançadas pelo estudo sugerem que o poder de interromper o “relógio do corpo” é eminentemente praticado pelos altos níveis de luz emitidos por computadores e tablets, por exemplo.

- A luz é o dessincronizador mais poderoso do nosso relógio biológico interno. A exposição, especialmente à noite, irá redefinir os nossos ritmos circadianos para uma ou duas horas mais tarde, adiando a liberação da melatonina, hormônio que promove o sono. Assim, ficará bem mais difícil levantar de manhã - avaliou o professor Charles Czeisler, da Universidade de Harvard, em entrevista ao jornal britânico “The Telegraph”.

O pesquisador Andrew Loudon, da Universidade de Manchester, em relato ao mesmo jornal, pediu que governos apresentem soluções ao problema, a começar pela revisão das consequências para a saúde de trabalhos por turno. Segundo Dalva Poyares, soluções semelhantes também são bem-vindas por aqui.

- Existe uma grande demanda por horários inusitados de emprego. Tudo hoje em dia funciona 24 horas. No mínimo, os empregadores devem selecionar aqueles profissionais que demonstrarem estar mais adaptados a esse tipo de turno. Mas também é preciso um esforço maior de todos para flexibilizar os horários.

(O Globo)