quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Antibiótico, e não hormônio, é o maior risco em carnes e frangos

Você é daquelas pessoas resignadas, que comem frango pensando que estão ingerindo um monte de hormônios? Se é, faz parte da maioria dos brasileiros. Nada menos do que 72% dos consumidores que compram o produto têm essa percepção, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O que muitos não sabem é que isso não passa de um mito, garantem governo e especialistas. Não há hormônios nesses alimentos. Na verdade, a grande preocupação hoje no consumo de carnes em geral é com o uso de antibióticos nos animais vivos. Uma avaliação que ganha força é que esses fármacos podem contribuir para o surgimento de bactérias e outros microorganismos cada vez mais resistentes a remédios.

As autoridades sanitárias impõem restrições, tanto em relação aos produtos que podem ser utilizados, quanto ao período de carência entre a aplicação e o uso de alimentos oriundos desses chamados animais de fazenda. No entanto, especialistas alertam para a necessidade de se reduzir o volume de medicamentos, que vem crescendo em todo o mundo.

“A resistência aos antibióticos está se desenvolvendo e se espalhando a uma velocidade que não pode ser contida (...) Se não forem tomadas medidas urgentes para reduzir o consumo global de antibióticos, podemos enfrentar um regresso a uma era na qual as infecções simples podem matar", alerta a ONG Consumers International, que congrega 240 organizações de defesa de consumidores, de 120 países.

A comerciante Eugênia Alves Santana, 34, acha que há aditivos nos alimentos, mas não mudou seus hábitos de consumo por isso. Em casa, consome frango três vezes por semana, come carne vermelha duas, e peixe, uma vez.

— Fui criada no interior da Bahia e, lá, víamos um frango demorar três meses para ser abatido. Agora, acho que eles crescem muito rápido — observou.



Segundo o coordenador geral de inspeção do Ministério da Agricultura (Mapa), Luiz Marcelo Martins Araújo, é permanente a fiscalização da presença de resíduos e contaminantes dos alimentos, por meio da análise de amostras, para a verificação de substâncias proibidas ou em concentrações acima das permitidas. No caso de hormônios, frisou Araújo, a utilização dos produtos jamais foi permitida no Brasil.

— Embora permitido o seu uso, os antibióticos, quando administrados aos animais de produção, trazem consigo a obrigatoriedade de que seja cumprido um período durante o qual a substância é eliminada do organismo animal, possibilitando que o consumo dos produtos não carregue consigo essas substâncias — explicou o técnico.

A nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Borboletto, concorda que a presença de resíduos é quase inexistente, com base em uma pesquisa feita pela própria instituição em frangos congelados há alguns anos. Porém, não é essa a preocupação do instituto.

— A questão não é a presença de resíduos. Apesar de sabermos que há normas específicas que permitem o uso de antibióticos em animais, sabemos que a fiscalização é insuficiente e nem sempre é garantido que o medicamento foi utilizado em quantidade adequada. Mesmo em quantidades mínimas, os antibióticos podem causar problema no futuro — disse a nutricionista.

Uma forma de melhorar esse cenário, avalia, seria a consolidação de um sistema de rastreabilidade dos alimentos. Ana Paula avalia que a cadeia produtiva não tem esse controle. Outro caminho, disse, seria o consumidor optar pela carne orgânica, livre de antibióticos. Só que o produto é mais caro do que o convencional. Levantamento feito pelo GLOBO em um supermercado mostra que um frango da mesma marca pode ser até 18% mais caro por ser orgânico.

O zootecnista e especialista em nutrição animal da Universidade de Brasília (UnB) Sergio Lucio Salomon Cabral Filho reforçou que o risco não consiste na existência de resíduos de antibiótico nas carnes, mas no surgimento de bactérias mais resistentes nos animais e no consequente contato com o ser humano pelo consumo. Segundo ele, nos Estados Unidos, onde a maioria dos bovinos é criada em confinamento, o antibiótico é usado como promotor do crescimento em cerca de 60% dos casos.

No Brasil, observou, o índice de utilização dessas substâncias com o objetivo de promover o crescimento deve ficar perto de 15%. Mas há os casos de sua administração para prevenir e combater doenças. No caso dos frangos, o antibiótico é utilizado em quase toda a produção, tanto com objetivo terapêutico quanto de promover o crescimento, ao diminuir a população de patógenos no intestino das aves e melhorar a absorção de nutrientes. De acordo com o zootecnista, países como a Dinamarca proibiram o uso de antibióticos em animais com a finalidade de promover o crescimento.

— Hoje, os produtores trabalham com doses aceitáveis de antibióticos e os resíduos que ficam são em proporção aceitável para o consumo humano. Mas o problema é o surgimento de bactérias mais resistentes — disse Cabral Filho, que defendeu o desenvolvimento de políticas públicas no Brasil para o controle do uso dessas substâncias.

O empresário Paulo Cesar Thibes, sócio-diretor da Frangos Pioneiro, garante que os antibióticos são de uso profilático, para prevenir ou atenuar doenças, "uma realidade em vários países produtores de carne de frango":

— Mercados exigentes, como União Europeia e Japão, estão entre os importadores de carne de frango do Brasil. Tudo isso mostra que o produto ofertado ao consumidor brasileiro é da mais alta qualidade, sem qualquer risco para o seu consumo. Não é por acaso que a carne de frango é a mais consumida no Brasil e na maior parte do mundo.



Os dados da ABPA mostram que, de fato, embora 72% das pessoas acredite que há hormônios de crescimento nos frangos, continuam consumindo aves por considerar que são mais saudáveis que a carne vermelha, perdendo apenas para os peixes.

O militar Nicomedes Cardoso Menezes Neto, 57, come peixe pelo menos três vezes por semana, e frango, a cada 15 dias. E apesar dos dados, não acredita que os produtores não usem hormônios:

— Com certeza, aplicam hormônios. É só olhar a cor da carne — afirmou.

A dona de casa Helenita Alves Coelho, 76, e seu filho Romerito Coelho, 50, também acreditam que há hormônios. Em sua casa, consomem frango quase todos os dias, mas optam pelo caipira:

— Prefiro, inclusive plantar porque considero mais saudável. Acredito que há hormônios na ração dos frangos, pois eles crescem muito rápido.

A ABPA tem promovido eventos com médicos e nutrólogos, para desfazer o mito sobre os hormônios e informar os profissionais de saúde. De acordo com o diretor de produção da associação, Ariel Antônio Mendes, existe melhoramento genético, na nutrição e no meio ambiente dos galpões, o que permite que as aves sejam abatidas com 45 dias.

O diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Fernando Sampaio, disse que, no caso dos bovinos, o fato de o Brasil produzir com foco na exportação contribui para a preocupação com a qualidade.

— No Brasil, é proibido usar hormônio. Além disso, não temos interesse nenhum em usá-los. Isso pode ameaçar o mercado de exportação — disse.

(O Globo)