segunda-feira, 23 de março de 2015

Cariocas querem economizar água, mas não mantêm rotina, diz pesquisa exclusiva

Em tempos de crise hídrica, tomar banho virou hábito regido por logística rigorosa na casa da programadora Helena Lacerda. Se pouco tempo atrás seus três filhos tomavam um banho à noite e outro ao acordar, agora, só entram embaixo do chuveiro uma vez por dia, antes de dormir. Além disso, os brinquedos que costumavam deixar o banho mais divertido foram retirados do box, para evitar que os pequenos se distraiam e demorem mais.

— Não adianta só ficar falando com eles para economizar água ou deixar que aprendam apenas na escola. Eles assimilam muito mais quando enxergam nossas atitudes — diz Helena, que reforçou estes hábitos ao acompanhar a repercussão da falta de água no país pela mídia.

Ela não está sozinha. Enquanto o estado do Rio atravessa a mais severa estiagem dos últimos 84 anos, uma pesquisa inédita feita pelo Laboratório de Pesquisa da UniCarioca mostra que, para 84% dos cariocas, racionamentos já podem ocorrer no ano que vem. Preocupados com isso, 31% disseram ter começado a economizar. Entretanto, cerca de 65% das pessoas ouvidas admitiram que tentam poupar, mas não conseguem manter a rotina. Entre elas, algumas começam e param (24%), outras não mantém o comportamento aprendido (24%). Ainda há um grupo que continua a gastar água sem se preocupar com o dia de amanhã (17%).

Segundo o coordenador do Núcleo de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da UniCarioca, Jalme Pereira, os resultados mostram como o carioca reconhece a importância de poupar , mas isso não significa que ele adote hábitos efetivamente. Por ora, as ações estão muito mais calcadas no medo gerado pela crise do que numa mudança definitiva de comportamento.

'Mesmo com chuvas, a crise não acabou', afirma diretor-presidente da Agência Nacional de Águas

— Se a campanha está aquecida, as pessoas fecham a torneira. Quando chove, a coisa muda. Seja porque não sabem poupar direito ou não existe cobrança da sociedade e do governo.

O levantamento ouviu 681 pessoas, das quais 34% atribuíram a crise à corrupção, associada a problemas como desvio de verbas. Mas 32% dos participantes creditam o problema à falta de educação de cidadãos que não têm consciência e usam os recursos naturais de forma irresponsável. Já 24% atribuem o quadro à falta de investimento público. Os 10% restantes indicam que o pouco debate sobre o assunto nas escolas é o grande vilão.

— Corrupção aparece na frente por causa do momento. O assunto está muito forte, devido à Operação Lava-Jato (que investiga desvios de verba na Petrobas) , o que leva o carioca a achar que alguém desviou o dinheiro que seria do abastecimento. Existe um olhar sobre a corrupção como se fosse a causa de todos os problemas.

Mas chama atenção que 26% dos ouvidos na pesquisa não querem colaborar com a redução do consumo, porque entendem que o problema é das autoridades. Para Helena, entretanto, a responsabilidade é, sim, de todos. Ela também fecha a torneira enquanto escova os dentes e na hora de ensaboar louças. E comprou mais uniformes escolares para reduzir a frequência com que lava roupa:

— Minha água é cobrada no condomínio, mas preciso pensar no coletivo. Estou fazendo a minha parte.

Apesar de estarem em alerta, os cariocas reconhecem que podem fazer mais pelos recursos hídricos. Ao avaliar o comportamento dos moradores da cidade, 75% dos entrevistados na pesquisa da Unicarioca acham que a população está até mais preocupada quanto à questão de água e energia. Por outro lado, os cariocas se dividem um pouco mais ao responder se a cidade está, de fato, fazendo algo a respeito: 58% acreditam que os moradores continuam agindo da mesma forma que antes, enquanto outros 41%, afirmam que o carioca reduziu os gastos.

E, se a população precisa se esforçar um pouco mais na economia, em todos os cantos da cidade há bons exemplos a serem seguidos. Um deles vem do Méier, na Zona Norte. No condomínio Paul Cezane, a instalação de uma estação de reaproveitamento de água proporcionou uma economia anual de mais de R$ 14 mil na conta de água do prédio com 44 apartamentos.

— Gastamos R$ 4 mil para construir a estação, que foram rapidamente cobertos pela economia proporcionada — conta o síndico Helio Breder, enfatizando não se tratar de uma intervenção de grande complexidade. — Interceptamos a tubulação que descartava a água da chuva vinda dos ralos e também a água utilizada na manutenção das cinco piscinas, bem como na ducha que fica na área de convivência. Todo esse conteúdo era jogado fora, e agora é armazenado em duas caixas d’água de três mil litros.

Tratada com cloro, a água é usada em atividades como limpeza das instalações e rega dos jardins. E, para reforçar ainda mais a economia, o prédio também ganhou reguladores de fluxo de vazão de água em 12 pontos das áreas comuns e torneiras de fechamento automático nos banheiros do play.

— Tem que ficar atento aos detalhes. Para todo desperdício há uma solução — defende o síndico.

A 18 quilômetros do prédio de Breder, o condomínio Augusto Cesar Cantinho, em Botafogo, na Zona Sul, também segue em dia com o meio ambiente. Por lá, como conta a presidente do conselho consultivo do edifício, Henriette Krutman, se um vizinho percebe que o outro está demorando muito no banho, liga para a portaria para reclamar.

Com 24 pavimentos e 98 apartamentos, o prédio tem um rigoroso controle sobre os recursos naturais. O hidrômetro é vistoriado diariamente para que qualquer alteração no volume médio de água utilizada seja rapidamente identificada. Além disso, todos os apartamentos são vistoriados trimestralmente para a detecção de desperdícios, enquanto cartazes lembram os moradores da importância de economizar.

— Tudo isso é fruto de um longo processo. Fui síndica entre 2007 e janeiro deste ano. Comecei num período em que não se falava tanto da falta de água. Mas, como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate atá que fura — diz ela.

— Quando assumi, o prédio gastava, em média, 76 mil litros por dia. Agora estamos em 62 mil. Quando as pessoas começam a ver o beneficio, é um caminho sem volta — afirma a síndica, que não deixa de criticar as autoridades públicas pela crise de abastecimento. — A falta de planejamento foi muito prejudicial. Mas as falhas do governo jamais podem ser usadas como desculpa. A ação do cidadão é fundamental.

Os erros do poder público na gestão da água também são apontadas pelos participantes da pesquisa da Unicarioca como responsáveis pela crise de abastecimento. Na opinião do diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio, Luiz Felipe Guanaes Rego, a poluição nos rios que cortam cidades é a maior prova de como a cultura de desvalorização da água está enraizada no país.

— Essa realidade difunde uma concepção de que água é lixo. A água vira esgoto e acaba não sendo vista como um bem. Precisamos mudar esse valor — avalia Guanaes, que é doutor em recursos naturais.

Segundo ele, é importante lembrar que a situação evidenciada nos últimos meses é consequência de anos de desleixo no que diz respeito ao cuidado com florestas e rios.

— Espero que essa crise estimule uma aplicação mais contundente da legislação que rege os recursos hídricos. É irresponsável fingir que nada está acontecendo e permitir a continuação do amadorismo. O tema deveria ser monitorado e conhecido por todos — pontua.

O pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe-UFRJ Paulo Carneiro lembra que o desperdício precisa ser eliminado no próprio sistema de abastecimento. Como ele destaca, dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos, com base no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, mostram que a perda média de água no serviço de abastecimento estadual, incluindo etapas de produção, tratamento e distribuição, chega a 40%.

— Se esse índice fosse reduzido para 30%, já seria poupado um volume de água suficiente para abastecer uma população de 1 milhão de pessoas — dimensiona. — O desperdício nas redes dos sistemas de abastecimentos é muito alto. Há muita margem para melhoras.

Dados divulgados pela Agência Nacional de Águas (ANA) atestam que o ano de 2014 se destacou por uma seca extrema na região Sudeste, cuja probabilidade de ocorrência é superior a uma vez a cada cem anos. As bacias de contribuição dos principais reservatórios de abastecimento urbano do Sudeste, como o Sistema Cantareira e os sistemas do Paraíba do Sul, contaram com precipitações próximas às mais baixas já registradas na História, o que impediu a recuperação dos níveis das represas.

Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, com as chuvas de fevereiro, os reservatórios que abastecem todo o estado fluminense tiveram uma pequena recuperação e, atualmente, nenhum deles está operando abaixo dos seus volumes úteis. Entretanto, o comparativo com 2014 revela que a situação requer atenção. Em 18 de março do ano passado, a média de volume útil dos principais reservatórios do estado era de 41,8%. Este ano, era de 11,65%.

Por meio de nota, a secretaria informa adotar medidas para enfrentar o cenário mais adverso, e tem o acordo firmado entre Rio, São Paulo, Minas Gerais e a ANA em relação à gestão da bacia do Paraíba do Sul como um dos principais avanços.

Considerado inédito, o pacto prevê que todas as decisões relativas à gestão compartilhada da bacia vão exigir a anuência dos três estados antes de serem oficializados pelo governo federal. O objetivo é assegurar o atendimento às necessidades de cada estado até 2050.

(O Globo)