terça-feira, 24 de março de 2015

Quinze animais silvestres morrem atropelados em estradas por segundo

Você sabe o que mais provoca a morte de animais silvestres no Brasil? Atropelamento. Uma estatística divulgada pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, revelou um dado assustador: por ano, 5 milhões de animais grandes, como uma anta, por exemplo, são mortos nas estradas brasileiras. E se forem considerados os bichos menores, como sapos, cobras e aves, este número fica ainda mais impressionante.

Um santuário da Mata Atlântica no norte do Espírito Santo, refúgio perfeito para muitos animais, se não fosse a presença de uma estrada. No local, passa uma das rodovias mais movimentadas do país, a BR-101, que liga a região Sul ao Nordeste.

Uma faixa de 25 quilômetros de constante perigo para os bichos que habitam a reserva biológica de Sooretama e outras três áreas de preservação no Espírito Santo.

Muitos bichos que vivem no local são de espécies ameaçadas de extinção. Como uma onça parda que foi atropelada e morta no começo do mês. Grandes ou pequenos animais. Recolher as vítimas é a rotina dos fiscais do Instituto Chico Mendes.

“No nosso trabalho de monitoramento, a gente chegou a coletar mais de 200 indivíduos em um trecho de 10 quilômetros dentro e fora da unidade em um dia”, relata o biólogo Marcel Moreno.

Veículos em alta velocidade não são ameaçadores só para os bichos de lá. Existem 189 unidades de conservação cortadas por estradas em todo o país. No total, são 15 mil quilômetros de rodovias cruzando áreas de proteção ambiental.

“Muitas vezes, essas estradas são implantadas em locais aonde você tem o animal vive de um lado da rodovia e do outro é a área de alimentação, é a área de reprodução ou faz parte da área de vida dele naturalmente. E com isso, ele se obriga a cruzar a rodovia e acaba sendo atropelado”, explica Alex Bager, diretor do Centro de Estudos em Ecologia de Estradas.

O que resulta em um verdadeiro massacre: “São aproximadamente 15 animais sendo atropelados no Brasil a cada segundo”, afirma Alex Bager, diretor do Centro de Estudos em Ecologia de Estradas.

Isso significa que são atropelados 475 milhões de animais selvagens por ano no país. “Cerca de 90% disso, 400 e poucos milhões, são pequenos vertebrados. E é por isso que as pessoas não percebem. São pequenas aves, rãs, sapinhos que as pessoas não percebem que estão sendo atropelados”, diz Alex Bager.

Além dos bichos menores, acabam morrendo 40 milhões de animais de médio porte como gambás, lebres e macacos. Outros 5 milhões de vítimas são animais de grande porte como onça, lobos, antas e capivaras.

Para ter uma dimensão mais precisa do problema, o professor Alex Bager, recorreu à tecnologia. Ele criou um aplicativo para celulares, chamado Urubu, que conta com a ajuda dos motoristas para colher informações pelas rodovias do país.

“Quando você estiver trafegando na estrada, encontrou um animal selvagem atropelado? Registra a foto e manda para nós”, orienta o diretor do Centro de Estudos em Ecologia de Estradas.

Em quase um ano, o sistema Urubu recebeu 7,5 mil fotos de animais atropelados.

Mas há formas de amenizar o drama. Uma ONG do interior paulista socorre e cuida de animais atropelados na região da cidade de Jundiaí. “Do ano passado para cá, a gente percebeu que muitos animais chegaram por atropelamento. Acredito que em torno de 15% a 20% essa média tenha aumentado”, avalia Cristina Harume, coordenadora da Associação Mata Ciliar.

Uma onça parda ainda se recupera da fratura de uma costela. Um lobo-guará foi atropelado há um ano e ainda não está totalmente recuperado. Um gavião quebrou a asa, passará por uma cirurgia e logo deve voltar a voar.

“O objetivo é receber estes animais, oferecer o tratamento de emergência com o objetivo único e exclusivamente de soltá-los de volta ao ambiente natural”, diz a coordenadora da Associação Mata Ciliar.

Do outro lado do estado, na Rodovia Raposo Tavares, outra ação exemplar: túneis foram construídos para que os bichos possam cruzar a rodovia com segurança. As passagens levaram em conta os hábitos dos animais.

“Existem espécies que têm uma preferência por utilizarem passagens que têm água e espécies que têm preferência por utilizar passagens que não têm água”, explica o Osnir Giacon, coordenador de meio ambiente da concessionária CART.

Biólogos e ambientalistas que trabalham na região da Reserva de Sooretama cobram a adoção de medidas como essas na BR-101.

“Essas medidas emergenciais devem ser feitas rapidamente pra gente perder menos biodversidade possível.”, diz Leonardo Merçon, diretor do Instituto Últimos Refúgios.

Segundo os pesquisadores, o perigo para os animais é ainda maior durante à noite. É neste horário que muitos deles procuram alimento. Em busca de comida, os animais saem da mata e acabam encontrando a rodovia. Um encontro que pode ser fatal.

O professor Aureo Banhos, da Universidade Federal do Espírito Santo, espalhou câmeras na mata. As imagens mostram que alguns bichos procuram evitar a rodovia.

“Nos dez túneis que a gente têm monitorado, nesses 25 quilômetros, mais ou menos umas 11, 12 espécies utilizam. Enquanto 140 são atropeladas lá em cima", avalia Aureo Banhos, biólogo.

Os especialistas também querem que uma sinalização de alerta mais eficiente seja adotada para chamar a atenção dos motoristas.

Outra medida também está sendo exigida, é a redução do limite de velocidade. A equipe do professor Aureo monitora de forma independente os veículos que passam na estrada e constata que a velocidade máxima é frequentemente ultrapassada.

Caio Barros, coordenador de sustentabilidade da concessionária da BR-101: Bom, a fiscalização a gente entende que ela existe, tá? São dois radares num trecho de seis quilômetros.

A situação é considerada tão grave que provocou a ação do Ministério Público. O procurador Paulo Trazzi já abriu um procedimento e vai ouvir todos os órgãos envolvidos: “Eu acredito que é possível a gente conseguir um equilíbrio que assegure o transporte das pessoas com a proteção das espécies animais”, avalia Paulo Trazzi, procurador da República.

Ele lembra que não é só a biodiversidade que está em risco: “A preocupação com os animais, por si só, já seria suficiente para a nossa atuação e pra considerar a situação urgente, mas também existe o risco a vida das pessoas e a saúde das pessoas. Um acidente com uma onça parda de 70 quilos pode causar capotamento e morte de pessoas”, diz Paulo Trazzi, procurador da República.

(G1)