O cigarro é um inimigo mais poderoso do que se imaginava. Um estudo divulgado ontem pela Universidade Nacional da Austrália mostra que dois em cada três fumantes morrerão por causa do hábito, caso continuem fumando. É um índice mais alarmante do que o anunciado no ano passado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considerava que metade dos usuários de tabaco morreriam por causa do vício.
O estudo foi realizado com aproximadamente 200 mil pessoas com mais de 45 anos e corroborou o resultado de pesquisas menores e recentes, que apontavam o mesmo índice de mortalidade ligado ao tabagismo.
Os usuários de tabaco morrem dez anos mais cedo do que os não fumantes. Quem consome dez ou mais cigarros por dia tem o risco de morte prematura dobrado, em relação ao resto da população. Entre aqueles que acendem vinte ou mais cigarros diariamente, a chance de morte prematura aumenta em até cinco vezes.
— Sabíamos que fumar era ruim, mas agora temos uma prova direta e independente confirmando as conclusões perturbadoras que surgem no mundo inteiro — revela Emily Banks, epidemiologista da Universidade Nacional da Austrália e autora chefe do estudo, publicado na revista científica “BMC Medicine”.
Segundo especialistas, as conclusões do estudo australiano podem ser aplicadas no Brasil. Ambos os países contam com um percentual semelhante de fumantes — aqui, são 14,5%; na Oceania, cerca de 13%.
O Brasil tem pouco mais de 21 milhões de usuários de tabaco. É um índice 20,5% menor do que o registrado cinco anos atrás, segundo a Pesquisa Especial de Tabagismo realizada pelo IBGE em 2014. A redução dos consumidores foi comemorada, mas os índices de mortalidade analisados no estudo australiano dispararam um alerta.
— A cortina está aberta. Vemos de uma forma cada vez mais minuciosa o impacto do tabaco na sociedade — pondera Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco do Instituto Nacional de Câncer (Conicq/Inca). — As doenças relacionadas a seu uso provocaram, em 2012, um prejuízo de R$ 21 bilhões ao sistema de saúde, entre internações e medicamentos. Quem termina pagando somos todos nós, com impostos que poderiam ser dispensáveis se as pessoas não fumassem.
Diretora-executiva da Aliança de Controle do Tabagismo, Paula Johns destaca que o tabaco está ligado a mais de 50 doenças, de cardiovasculares a respiratórias. É, também, o principal fator para diversos tipos de câncer, como o de pulmão e o de garganta.
— Ainda não conseguimos controlar o índice de mortalidade ligado ao tabaco — lamenta. — Seu impacto sobre a saúde pública é muito mais significativo do que pensávamos. Quando um avião cai, ficamos sensibilizados porque morrem 300 pessoas. O cigarro provoca uma morte silenciosa. É um avião caindo diariamente.
O câncer de pulmão, o mais comum de todos os tumores malignos, apresenta um aumento de 2% por ano na incidência mundial. Em 2012 foi detectada a origem de 1,82 milhão de casos, sendo que 90% estavam associados ao consumo de derivados do tabaco. Por aqui, a estimativa do Inca para o biênio 2014-2015 é de 27 mil novas ocorrências.
O governo federal espera que o número de fumantes seja reduzido a 9% da população até 2022. A mais nova iniciativa contra o cigarro, apresentada no ano passado na Câmara dos Deputados, é a implementação do maço genérico — a embalagem teria apenas uma cor e sem elementos gráficos.
Depois da queda acentuada do consumo observada nos últimos anos, estima-se que novas dificuldades surgirão no caminho. Segundo Paula, ainda há um grande público que resiste a parar de fumar.
O assessor parlamentar Robson Vinicius de Almeida, de 23 anos, se rendeu ao primeiro cigarro aos 12 anos. Desde então, tentou largar apenas uma vez, iniciativa que durou apenas um mês sem um maço no bolso.
— Sei de todos os riscos, mas gosto mais do que quero parar — admite, acrescentando que seu pai, seu tio e sua tia fumam ou fumaram também. — Quando bebo cerveja, dá muita vontade, aí não consigo resistir.
Nas vezes em que o chope motiva o disparo do isqueiro, Robson esvazia de dois a três maços. Em um dia sem a companhia do álcool, um maço e meio “dá conta”.
Já Mariana Ramos Araujo, de 31 anos, colega de Robson, fuma rotineiramente dois maços. A mãe de três filhos parou de fumar três vezes, não por coincidência.
— Larguei por mais de um ano nas épocas que estava grávida. Voltei não sei por quê. Acho que é muito estresse, muita ansiedade, então sempre acabo acendendo um — explica a parlamentar, acrescentando que resolveu experimentar “por curiosidade” há 15 anos.
Sua filha mais velha tem 16 anos e tenta, sem sucesso, convencê-la a largar o vício, alegando não suportar o cheiro. Mas a carioca assume que se ela, seu irmão de 8 anos e a caçula de 4 algum dia adotarem o mesmo vício, não vai ter muita credibilidade para retrucar:
— Quem sou eu para falar algo para eles? Vou dar conselho, né. Mas acho que jovem hoje em dia tem muito mais informação para saber que não faz bem.
Apesar de estar convicta sobre o esclarecimento dos filhos, Mariana precisa tomar cuidado. Em 2012, 19,6% dos adolescentes entre 13 e 15 anos matriculados em escola no país experimentaram cigarro, sendo que 5,1% fumavam regularmente.
Para a psicanalista Ivone Ponczek, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), o consumo de cigarro deve cativar cada menos jovens, e só preocupa ainda por ser considerado uma válvula de escape contra o estresse.
— O cigarro, como qualquer droga, tem uma função muito grande de administração da angústia — observa. — É, muitas vezes, tratado como uma automedicação. Ainda assim, acredito que estamos mudando. Décadas atrás, o consumo de tabaco estava vinculado à virilidade. Agora não existe esta ideia, e o fumante está sendo forçado a alterar seu comportamento, porque tem cada vez menos espaços à disposição para acender o cigarro.
(O Globo)