As fortes chuvas do início do ano devolveram o verde no vale do San Joaquin, importante região agrícola no centro da Califórnia. Mas em sua caminhonete 4X4, Cannon Michael diz que os temporais não lhe fizeram rever a decisão de reduzir sua área de plantio.
"Aqui a agricultura depende da irrigação, e, sem garantias de que vou poder usar água como antes, não tenho opção que não deixar de plantar", ele diz à BBC Brasil.
Responsáveis por 80% do consumo hídrico da Califórnia num ano normal, os agricultores têm sido o grupo mais afetado pela grave seca que o Estado enfrenta.
Restrições à irrigação no Estado têm provocado um duro embate entre fazendeiros e agências reguladoras. A disputa se insere num debate mais amplo sobre o uso intensivo de água por agricultores americanos e o esgotamento de aquíferos no país.
Michael diz que em 2014 sua oferta de água para irrigação foi cortada em 40%. A redução, segundo ele, o impediu de semear 3 quilômetros quadrados de terras ou 7% da propriedade, que está nas mãos da família há seis gerações e produz tomate, milho, algodão e alfafa, entre outros gêneros.
O fazendeiro afirma que a diminuição em sua área de plantio só não foi maior porque sua licença de irrigação é uma das mais antigas do Estado - o que lhe garante cortes menores - e porque nos últimos anos instalou em boa parte da propriedade canais de irrigação por gotejamento, sistema que reduziu seu consumo de água.
Em algumas regiões do Estado, fazendeiros com licenças de irrigação mais recentes receberam em 2014 apenas 5% da sua cota anual de água, ou até menos.
Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, os cortes fizeram com que entre 400 mil e 700 mil acres (algo entre 200 e 353 campos de futebol) deixassem de ser cultivados no Estado no ano passado. A Califórnia é o maior exportador agrícola dos Estados Unidos e produz metade das frutas e legumes cultivados no país.
Muitos agricultores compensaram os cortes retirando mais água de reservas subterrâneas em suas propriedade, já que as restrições só se aplicam aos canais de irrigação. Um estudo da Universidade da Califórnia em Davis estima que essas ações geraram aos agricultores um custo extra de US$ 1 bilhão (R$ 2,67 bilhões) em suas contas elétricas no ano passado.
Uma associação de fazendeiros locais afirma ainda que a menor oferta de água fechou 17 mil vagas de trabalho no campo e causou um prejuízo de US$ 2 bilhões (R$ 5,74 bilhões) aos agricultores californianos em 2014.
Em sua fazenda no município de Los Banos, Cannon não questiona a gravidade da seca. Na sede da propriedade, ele exibe uma apresentação com fotos de satélites das geleiras que abastecem os principais rios e represas da Califórnia. As imagens mostram que o volume das geleiras tem diminuído ano após ano.
Cannon afirma que, para ele e boa parte dos agricultores da Califórnia, o volume das geleiras é mais importante do que o nível de chuvas no Estado. É que como o gelo derrete aos poucos, ele garante ao sistema hídrico um fluxo de água mais regular ao longo do ano.
Com a redução das geleiras, diz ele, era natural que os agricultores fossem prejudicados. Mas Cannon afirma que os cortes foram exagerados e que o setor tem pagado um preço muito alto por regulamentações ambientais aprovadas nas últimas décadas.
Desde os anos 1990, o governo americano passou a restringir a irrigação em partes da Califórnia para garantir um fluxo mínimo de água nas bacias do Estado. A medida visava a recuperar populações de peixes que estavam em declínio, principalmente o salmão, e atendia a pedidos de pescadores, ambientalistas e grupos indígenas.
Para Cannon, porém, as ações não surtiram os efeitos pretendidos. "Não há mais salmões hoje do que antes, e as medidas prejudicaram muito os agricultores."
Já os defensores das restrições dizem que elas impediram a extinção dos salmões e que a sobrevivência da espécie é crucial para o equilíbrio ecológico nas bacias.
Para Thomas Harter, professor de hidrologia da Universidade da Califórnia em Davis, em algumas áreas do Estado o uso de água subterrânea por agricultores tem ocorrido num ritmo mais veloz que o reabastecimento dessas reservas, que ocorre principalmente por meio de chuvas.
Ele diz que o volume dos aquíferos do Estado tem baixado 2,4 trilhões de litros por ano, o equivalente a 5% de toda a água consumida no Estado anualmente.
O mesmo fenômeno tem se dado na vasta região dos Altos Planos, que abarca porções de oito Estados no centro do país e é grande produtora de grãos. Segundo a agência de pesquisas geológicas do governo americano, o aquífero de Ogallala, principal fonte de água para os agricultores locais, encolheu 328 trilhões de litros desde que começou a ser usado para irrigação, nos anos 1950.
Um estudo da Academia Nacional de Ciências diz que, em alguns trechos, o aquífero já perdeu até 30% de sua capacidade e perderá outros 39% nos próximos 50 anos caso os padrões de irrigação se mantenham.
Segundo Harter, para reverter a tendência de esgotamento dos aquíferos californianos, é preciso não só diminuir o uso de água subterrânea como reduzir as áreas de plantio, além de poupar mais água nas cidades.
Os agricultores, no entanto, não parecem dispostos a aceitar novas restrições. Para Michael Cannon, mais barreiras aumentarão os preços de frutas e verduras nos mercados do país.
"Quando os preços subirem, os ricos poderão pagar mais para continuar tendo acesso a produtos frescos, mas os pobres terão que comer mais produtos industrializados. E ninguém parece se preocupar com a saúde dessas pessoas."
(G1)