Pesquisadores do Instituto Butantan estão solicitando à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para antecipar a última fase de ensaios clínicos com a vacina contra a dengue, desenvolvida com apoio da FAPESP.
Segundo os coordenadores do estudo, seria possível abreviar em até dois anos o processo de desenvolvimento do imunizante, caso a autorização seja concedida. Se os testes forem positivos, a vacina poderia estar disponível para a população já em 2016.
“Estamos tendo excelentes resultados com os ensaios clínicos de fase 2 e queremos apressar o processo para disponibilizar mais rapidamente a vacina para a população. A epidemia está tão grande que a eficácia do imunizante seria rápida e claramente demonstrada”, disse Jorge Elias Kalil Filho, diretor do Instituto Butantan, à Agência FAPESP.
Kalil afirmou que já apresentou a ideia à vice-diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Marie-Paule Kieny.
O diretor do Butantan lembrou que, diante da epidemia de Ebola que atingiu a África em 2014, os ensaios clínicos de algumas vacinas candidatas foram acelerados graças a um mecanismo regulatório conhecido como fast-track, que permite em casos de urgência epidemiológica acelerar as avaliações e, até mesmo, realizar duas fases de testes simultaneamente.
Até o momento, a vacina contra a dengue já foi aplicada em cerca de 150 voluntários (outros 150 receberam placebo) e não houve registro de reação adversa grave. Os ensaios para avaliar a resposta imunológica ainda estão em andamento; porém, na avaliação de Kalil, há dados suficientes para garantir que a vacina é segura o suficiente para avançar até a terceira etapa de testes, inicialmente prevista para começar no fim de 2015.
"Esse estudo pioneiro do Instituto Butantan, financiado pela FAPESP, para a vacina contra a dengue é um marco da pesquisa e desenvolvimento de São Paulo. A disponibilização da vacina para as pessoas será responsável por um combate efetivo a essa doença e irá salvar muitas vidas em breve", disse o governador Geraldo Alckmin à Agência FAPESP.
Segundo Alckmin, a liberação do uso da vacina "depende do Ministério da Saúde e da Anvisa, então o Butantan vai prestar todos os esclarecimentos para verificar a hipótese de sua aprovação antecipada".
A Anvisa informou por meio de nota que "a viabilidade do uso excepcional da vacina da dengue terá de ser avaliada após o recebimento da solicitação, de acordo com os dados apresentados para subsidiar o pedido". Procurado, o Ministério da Saúde não deu retorno ao contato até o fechamento desta edição.
A vacina tetravalente contra a dengue – capaz de proteger contra os quatro sorotipos do vírus – vem sendo desenvolvida no instituto paulista desde 2010, em parceria com o National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.
O trabalho conta com apoio da FAPESP por meio do projeto “Dengue: produção de lotes experimentais de uma vacina tetravalente candidata contra dengue”, coordenado pelo pesquisador Isaias Raw.
Os ensaios clínicos tiveram início em 2013, com apoio da Fundação Butantan e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no âmbito do projeto "Desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra a dengue", coordenado Neuza Frazatti Gallina.
Atualmente, estão sendo realizados no Butantan e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) os testes clínicos de fase 2, cujo objetivo é avaliar a segurança do imunizante e sua capacidade de induzir uma resposta imunológica duradoura nos voluntários.
O efeito da vacina está sendo comparado ao do placebo em um ensaio duplo-cego randomizado, no qual tanto os pesquisadores como os voluntários desconhecem quem foi de fato imunizado.
“Na etapa A da fase 2 aplicamos a vacina em 50 voluntários de 18 a 59 anos sem contato prévio com o vírus. Agora, na etapa B, prevista para terminar em 30 dias, estão sendo vacinados outros 150 indivíduos na mesma faixa etária, sendo que parte já havia contraído dengue anteriormente”, explicou Alexander Roberto Precioso, pesquisador do Butantan.
Precioso afirmou haver um excedente de 13 mil doses da vacina que foram produzidas para a fase 2 e que poderiam ser usadas assim que sair a autorização para o início da fase 3.
De acordo com Kalil, os resultados imunológicos iniciais são “muito promissores”, bem como os resultados dos primeiros testes de fase 1 e 2 realizados nos Estados Unidos pela equipe do NIH.
“Em todos os estudos realizados até o presente, a resposta imune é igualmente satisfatória e importante contra os quatro sorotipos após uma única imunização. Isto nos capacita a avançar rapidamente”, disse.
Além de aproveitar o excedente de 13 mil doses cuja validade é de um ano, outra razão para antecipar a fase 3, na avaliação de Precioso, é aproveitar o momento atual de alta circulação do vírus da dengue, o que permitiria comprovar a eficácia da vacina mais rapidamente.
“É preciso que os voluntários vacinados sejam expostos ao vírus para termos certeza da capacidade protetora da vacina. Isso poderia levar mais tempo em um período de baixa ocorrência da doença. Frente à situação epidemiológica que o país está vivendo, em particular a região Sudeste e o Estado de São Paulo, o Butantan está elaborando um programa específico com o objetivo de acelerar os testes”, disse Precioso.
Segundo dados registrados pelas prefeituras no Sistema de Informações de Agravos de Notificações (Sinan), o estado contabilizou entre janeiro e meados de março 56.959 casos autóctones de dengue, que correspondem a uma incidência de 136 infecções por 100 mil habitantes. Foram registradas 67 mortes. Em todo o ano de 2014 foram confirmados 196,8 mil casos e 90 mortes.
Na terceira fase do estudo clínico, explicou Precioso, a segurança e a eficácia da vacina serão testadas em grupos de três diferentes faixas etárias: crianças de 2 a 6 anos; crianças e adolescentes de 7 a 17 anos e adultos de 18 a 59 anos.
Caso os resultados sejam positivos, seria possível obter autorização para uso da vacina já em 2016, segundo Precioso. As estratégias de vacinação e a população que teria prioridade para receber a imunização ainda teriam de ser discutidas com o Ministério da Saúde.
Segundo Gallina, pesquisadora do Butantan responsável pela coordenação do projeto de desenvolvimento da vacina de dengue e pelo laboratório piloto, a capacidade atual é de 500 mil doses por ano. Uma nova planta está sendo concluída e permitirá, inicialmente, aumentar a produção para 12 milhões de doses anuais e escaloná-la para atender toda a população brasileira.
Gallina explicou que o processo de construção das cepas, cujo objetivo é atenuar o vírus usado na vacina tetravalente, foi realizado nos Estados Unidos. Os pesquisadores do NIH desenvolveram e testaram uma formulação líquida da vacina, cuja estabilidade era de apenas quatro horas em refrigeração.
“Nosso desafio na etapa de desenvolvimento industrial foi aumentar o rendimento e a estabilidade da vacina. Para isso, introduzimos um processo de liofilização por meio do qual a vacina passa por um equipamento que retira a água do produto, que ganha a forma de pó, aumentando sua estabilidade e a validade para um ano”, contou Gallina.
Também são colaboradores do estudo os pesquisadores norte-americanos Donald Francis (University of California), Anna Durbin (John Hopkins University School of Medicine) e Steven Whitehead (NIH).
(Agência FAPESP)