terça-feira, 14 de abril de 2015

O poder de cura dos alimentos

Faça do teu alimento o teu remédio. A recomendação, atribuída ao médico e filósofo grego Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), considerado “o pai da Medicina”, que viveu na Antiguidade, permanece atual no mundo contemporâneo. Afinal, comer bem é a premissa básica para evitar o surgimento de diversas doenças. Partindo dessa ideia, a nutricionista Eliane Fialho de Oliveira, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisa a relação entre o consumo de algumas substâncias presentes em determinados alimentos – entre eles, o vinho e algumas especiarias – e a prevenção do câncer de mama e da leucemia mieloide crônica, ou, ainda, o tratamento dessas doenças a partir do seu consumo regular.

Um dos enfoques do trabalho de Eliane, que é Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, é investigar os efeitos do resveratrol – um composto bioativo encontrado em algumas plantas e, sobretudo, no vinho tinto, nas uvas e frutas oleaginosas – contra o câncer. De acordo com a pesquisadora, o vinho é a melhor fonte de resveratrol porque o álcool solubiliza esse composto, facilitando sua absorção pelo corpo. “A recomendação é de que o consumo diário seja de apenas um cálice para as mulheres e de dois cálices para os homens”, disse Eliane, que coordena a disciplina de Alimentos Funcionais na graduação e pós-graduação em Nutrição da UFRJ.

O resveratrol é um dos mais conhecidos compostos bioativos presentes em alimentos com propriedades quimiopreventivas. “No Brasil, o câncer de mama é a primeira causa de óbito por câncer entre as mulheres”, destacou a pesquisadora. Ele também é associado ao combate a outras doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares e as neurodegenerativas. “Como estamos vivendo mais, os custos com a saúde pública vão aumentando, o que torna importante a procura pelos alimentos funcionais. O estudo do resveratrol tem esse objetivo. Afinal, pouco se sabe sobre os mecanismos bioquímicos e moleculares envolvidos nos efeitos quimiopreventivos dessa molécula”, justificou.

Em paralelo às pesquisas sobre a ação do resveratrol, Eliane coordena estudos sobre os efeitos de outros bioativos, presentes nos alimentos, contra o câncer de mama. Mais especificamente, nas especiarias. Como a piperina (encontrada na pimenta preta), a curcumina (na cúrcuma, também conhecida como açafrão), o gingerol (no gengibre), e a capsaícina (na pimenta vermelha e na páprica). Os estudos são realizados com “culturas de células” em laboratório. “Adicionamos os compostos bioativos dessas especiarias a células cancerosas, em experimentos laboratoriais. Depois, analisamos a viabilidade de crescimento das células cancerosas”, resumiu a nutricionista.

Ela tem observado que essas substâncias retardam o crescimento indesejado das células de câncer, ou mesmo causam sua morte. “Esses compostos costumam ter uma ação mais tóxica nas células cancerosas do que nas células normais, dependendo da concentração adicionada”, relatou. As células cancerosas são adquiridas em bancos de células. “Cultivamos e mantemos essas células apenas para testes no Laboratório de Alimentos Funcionais da UFRJ, do qual sou coordenadora”, explicou Eliane. Os experimentos estão sendo realizados em parceria com dois laboratórios do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ): o de Imunologia Tumoral, coordenado por Vivian Rumjanek; e o de Termodinâmica de Proteínas Virais Gregorio Weber, coordenado por Jerson Lima Silva, pesquisador e diretor Científico da FAPERJ.

Sob a orientação de Eliane e Vivian, a doutoranda Julia Quarti Cardoso, da pós-graduação em Nutrição da UFRJ, vem estudando de que forma a piperina pode atuar como um aliado no tratamento da leucemia, quando associado à vincristina, um medicamento quimioterápico já utilizado no mercado. Elas vêm observando que a associação de ambas as substâncias pode ser benéfica. Além disso, os experimentos com a piperina sugerem que esse composto, por si só, também pode apresentar efeito contra a resistência das células de leucemia a quimioterápicos. “Observamos a ocorrência de um fenômeno chamado de sensibilidade colateral, isto é, a piperina parece ser capaz de matar seletivamente as células cancerosas que são resistentes a diferentes agentes quimioterápicos”, resumiu Julia.

O mais interessante, relata Julia, é que a piperina parece minimizar a resistência que algumas células cancerosas adquirem ao tratamento com quimioterápicos. “Se a piperina for administrada logo que o paciente for diagnosticado, junto com o quimioterápico de escolha, ela pode ajudar a reduzir a resistência que as células costumam desenvolver ao tratamento convencional. E, uma vez que o paciente já tenha células resistentes, a piperina teria o papel de matar apenas estas, fazendo com que o quimioterápico volte a ter efeito”, completou a doutoranda, que pretende testar também, na sua tese, os efeitos da piperina e de outros bioativos presentes nas especiarias.

Esse mecanismo ainda precisa ser amplamente investigado pelas pesquisadoras. “A capacidade de sensibilidade colateral apresentada pela piperina é animadora. Poder reverter a resistência celular, ou seja, tornar sensível uma célula cancerígena que antes estava resistente ao tratamento com o medicamento, a partir de uma substância natural, encontrada nos alimentos, é muito interessante e merece mais estudos para chegarmos a dados conclusivos. Quem sabe poderemos, com esse uso associado, até reduzir as doses ministradas do quimioterápico, que geralmente causam efeitos colaterais”, ponderou Eliane.

Para chegar a dados conclusivos, Eliane pretende avançar para a fase de ensaios clínicos, com pacientes com câncer de mama ou leucemia, que possivelmente receberão uma suplementação alimentar com os compostos bioativos em questão. Também participaram da equipe a pós-doutoranda Christiane Queiroz, a doutora Fabiana Alves Casanova, os doutorandos Raphael Vidal, Betina Schmidt, Luciana Gomes e Renata Polinati, a aluna de mestrado Patricia Severo e as alunas de iniciação científica Erika Ferreira, Iris Leite e Leidiane Borges.

(FAPERJ)