segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Prévia do aquecimento

Uma ducha de água fria para quem ainda não esquenta a cabeça com as mudanças climáticas: a onda de calor que assolou o Rio no verão passado — vivemos o fevereiro mais quente dos últimos 50 anos — pode servir como uma prévia de como vai ser (dura) a vida na cidade daqui a algumas décadas, caso as emissões globais de CO2 não sejam detidas e alterem, definitivamente, o clima do planeta.

Em 2050 ou em 2100, dizem os cientistas, o Rio de Janeiro deve continuar lindo, e também insuportavelmente quente, com as temperaturas oscilando entre 44 e 45 graus Celsius — não muito diferente do que me ocorreu 2010, com temperaturas de até 41 graus Celsius e sensação térmica de 50 graus Celsius.
— Se não fizermos nada para deter o aquecimento global, essas temperaturas serão comuns no Rio em todos os verões daqui a cem anos, ou até menos, em caso de uma elevação global das temperaturas em dois ou até três graus Celsius — afirma Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), vencedor do Nobel da Paz de 2007.
Embora tenha gerado uma sensação térmica de até 50 graus Celsius, maior do que a do Deserto do Saara, como mostrou reportagem do GLOBO, ele ainda não pode ser atribuído ao aquecimento global. Para tanto, seria preciso dados acumulados de pelos menos dez anos para se fazer um estudo comparativo.
Essa foi uma amostra prévia de como será a cidade no futuro, já que são inegáveis as semelhanças com os efeitos previstos para o Rio num mundo no qual as temperaturas médias subam mais de 2 graus Celsius até o fim do século, algo considerado praticamente inevitável pelos cientistas.
A quantidade de chuva que cai no Sudeste, por exemplo, não deve diminuir, mas as precipitações devem se concentrar em períodos específicos. As chuvas ininterruptas por dias têm um potencial de destruição maior, por testarem mais severamente a ocupação irregular de encostas e outros problemas de infra-estrutura das grandes cidades. Fortes temporais (como os que atingiram o estado do Rio no fim de 2009 e o de São Paulo no início de 2010, causando tragédias) intercalados por períodos de seca e calor (como o atual) também são previstos pelos modelos climáticos.
— O calor atual do Rio é um fenômeno meteorológico natural — afirma o climatologista Jose Marengo, do Inpe. — Mas, se consultarmos os modelos climáticos, com todas as incertezas que eles possam ter, todos mostram que cenários como os atuais serão mais comuns no futuro.
Tendo os relatórios do IPCC como referência, os demais cenários previstos pelos especialistas para o Rio num planeta aquecido incluem a cidade entre as áreas costeiras mais afetadas pela elevação do nível do mar. Erosões no litoral poderão afetar cerca de 42 milhões de pessoas.
O aumento da temperatura no Oceano Atlântico poderá também trazer ciclones extratropicais ao litoral do Sul e Sudeste, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, com o aumento do calor, o Sudeste deverá ficar inadequado para o plantio de café e frutas, como maçã e pêssego, entre outros cultivos.
— São situações extremas, como essa onda de calor no Rio, o frio atual na Europa e nos Estados Unidos, e a seca que atingiu a Amazônia há cerca de três anos, que tememos que pudessem se tornar comuns a partir de 2050 — sustenta Jose Marengo. — Possivelmente, elas devem acontecer com uma periodicidade de três em três anos.


Fonte: O Globo