Quando começou a trabalhar como operadora de telemarketing, Maria* jamais imaginou que o dia-a-dia da profissão podia levar a danos à sua saúde. Nos anos 1990, época em que a atividade estava em flagrante crescimento, ela viu na profissão uma grande oportunidade. O entusiasmo, no entanto, foi se dissipando semana após semana até o ano de 2001: empregada, sim.
Mas com vários problemas de saúde. “Trabalhava oito horas por dia e a empresa não seguia qualquer norma de ergonomia. As cadeiras, velhas, eram totalmente desreguladas, não havia suporte para os pés, tampouco baias ou um ambiente apropriado para fazer atendimento via telefone. Nem copo de água podíamos colocar em nossa mesa. Além disso, sofríamos muita pressão pelo cumprimento de metas, chegando ao ponto de ser ridicularizados pelos supervisores na presença de outros colegas quando não atingíamos os objetivos determinados”, lembra.
Aos poucos Maria foi apresentando sintomas que hoje são comprovadamente ligados aos esforços repetitivos de um profissional de telemarketing. Problemas na voz e na garganta, dores no pescoço, na lombar, no ouvido, além de formigamento nas mãos e nos pés. Os médicos lhe deram licença para se tratar.
Em 2002, ainda apresentando problemas sérios de saúde, Maria recebeu alta e voltou a trabalhar. Sua carreira, no entanto, não seria mais a mesma. “Como eu não podia mais fazer atendimentos, pois estava com problema grave na voz, a empresa me colocou para trabalhar na cantina e com o passar de alguns meses, demitiram-me. Fiquei doente, com depressão e ainda estou em tratamento”, conta.
Pesquisa realizada pela Fundação Jorge Duprat de Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) traz à tona uma preocupação que se encontra do outro lado da linha: as condições de saúde e trabalho dos teleatendentes. O estudo revela que as pressões vividas por esses profissionais podem comprometer o desenvolvimento da inteligência, da emoção, da sociabilidade e até causar impactos psicológicos.
O excesso de atividades repetitivas, a precarização das relações de trabalho, a busca incessante pelo alcance de metas, somada à ausência de autonomia na solução dos problemas dos usuários e o medo da perda do emprego colocam o operador em um campo minado entre o cliente e a prestadora de serviços. Além disso, a atuação dos supervisores, que disciplinam, premiam e também castigam os subordinados, instaura no ambiente de trabalho um clima de uma nem sempre saudável competição.
Forçando os operadores, muitas vezes, a oferecer aos usuários serviços e produtos nem sempre eficientes. Tudo em favor dos objetivos comerciais das empresas.
O presidente do Instituto Observatório Social de Telecomunicações, José Zunga Alves de Lima explica que a falta de regulamentação da profissão é um agravante dessa situação. “A não regulamentação impossibilita o alinhamento de procedimentos por parte das empresas que, na busca de alta produtividade, submetem seus operadores a situações desumanas”, comentou.
Segundo ele, estudos comprovam alto índice de desgaste físico e mental desses operadores, pois estão sujeitos a uma rotina de trabalho com tempo determinado para atendimento das ligações, saídas ao banheiro, fraseologia determinada por um script e um nível de stress altíssimo.
Embora a profissão não seja regulamentada, as condições de trabalho são estabelecidas pelo anexo II da Norma Regulamentadora nº 17, do Ministério do Trabalho e Emprego, e aplicam-se a todas as empresas que mantêm serviços de teleatendimento. O anexo estabelece parâmetros mínimos para esse tipo de atividade, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e saúde.
Dentre outras exigências, pode-se citar a carga horária de, no máximo, 6 horas diárias, incluídas pausas de dois períodos de 10 minutos cada; intervalo para repouso e alimentação de 20 minutos; mobília que permita variações posturais; local de trabalho dotado de condições acústicas adequadas à comunicação telefônica, bem como o nível de temperatura, ruído e velocidade do ar condicionado; pausas imediatamente após atendimento desgastante, que permitam ao operador recuperar-se; veto à utilização de métodos que causem assédio moral, medo ou constrangimento, tais como o estímulo abusivo à competição entre trabalhadores.
De acordo com a coordenadora-geral de Normatização e Programas do Departamento de Saúde e Segurança no Trabalho do MTE, Rosemary Dutra Leão, a NR segue as regras estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho e já trouxe avanços importantes para melhorar a qualidade de vida no trabalho no setor de teleatendimento. “É uma atividade muito propensa a adquirir doenças no trabalho, como LER, contusões musculares, problemas auditivos e até psicológicos, portanto, exige-se muita atenção no que tange ao cumprimento da norma estabelecida”, ressaltou.
Ela explica que em virtude da norma ter sido recentemente redigida e a não regulamentação do setor, ainda não há resultados específicos computados, no entanto, o MTE intensificou ações de fiscalização desde 2009.
Em vigor desde 2008, o decreto 6.523 estabelece novas regras para Serviços Atendimento ao Cliente. Dentre as exigências, já no primeiro menu eletrônico o consumidor poderá escolher entre falar com um atendente, cancelar serviços e fazer reclamações. Além disso, a ligação não poderá ser finalizada pelo fornecedor antes da conclusão do atendimento e o cliente tem e o direito de receber a resposta para seu problema em, no máximo, cinco dias. Ademais, a transferência para o setor responsável deverá acontecer em até 60 segundos e o consumidor não precisará repetir os dados pessoais para o setor transferido.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) de São Paulo, Marco Aurélio Coelho de Oliveira, acredita que a aprovação do decreto é um avanço e vai gerar uma grande transformação no setor.“As novas mudanças vão proporcionar maior qualidade no trabalho e geração de mais empregos, especialmente pela extensão do atendimento ao cliente para 24 horas”, analisou.
Segundo ele, hoje o trabalhador em telemarketing é obrigado a cumprir uma função pré-determinada pela empresa e, muitas vezes, fica impossibilitado de solucionar o problema de imediato. A partir do momento que as empresas se enquadrarem às mudanças, a pressão sobre o trabalho deste profissional tenderá a diminuir, haverá uma maior satisfação do cliente, aumentarão os lucros e, consequentemente será preciso contratar mais trabalhadores para que o atendimento seja mais rápido.
As empresas que não se adequarem às regras vão pagar mais caro, pois o governo determinou multas de até R$ 3 milhões para quem infringir o regulamento. As exigências valem para atendimentos de telecomunicações, bancos, planos de saúde, TV por assinatura, saneamento básico, aviação civil e energia elétrica.
* Maria é um nome fictício. A entrevistada optou por não revelar a sua identidade.
Fonte: Isabella Silva, Revista Trabalho
Saiba mais: NR 17 , NR 17 Anexo II