Um novo caso de diabetes surge a cada cinco segundos no mundo, de acordo com estatística divulgada pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Os dados indicam que a doença já é uma epidemia. Cerca de 250 milhões de pessoas em todos os países têm diabetes e a projeção feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para o ano de 2030, é que esse número dobre. No Brasil, segundo a SBD, pelo menos 10 milhões de pessoas têm a doença – o equivalente a 5,9% da população brasileira.
Crescendo em ritmo acelerado, a doença, que eleva a quantidade de glicose no sangue, é responsável por cerca de 5% das mortes anuais do mundo. Um dos fatores que favorecem o aumento do número de casos é o consumo de fast-food, símbolo do estilo de vida contemporâneo no ocidente, que avança sobre as demais regiões do planeta. “A incidência do diabetes aumenta em adultos e até em adolescentes, tendo como principais causas a obesidade e a vida sedentária”, diz o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Gil Salles, destacando que a obesidade gera doenças que matam mais que a fome no País.
No entanto, longe de ser um fenômeno moderno, o Diabetes mellitus é um antigo problema relatado ao longo da história da medicina. A primeira descrição documentada dos sintomas do diabetes encontrada até hoje está no papiro egípcio de Ebers, datado de 1.552 a.C. O documento descreve pacientes que emagrecem, sentem sede contínua e urinam em abundância. O tratamento incluía dieta, folhas de hortelã e evocações aos deuses Osíris e Íris.
Na Grécia Antiga, o médico Apolônio de Memphis, em 250 a.C., foi pioneiro no uso do termo diabetes, que significa “passar através de”, devido à passagem de líquido pelo corpo dos pacientes. Já o termo mellitus, que em latim quer dizer “mel”, foi adicionado mais tarde na literatura médica ocidental em alusão à urina adocicada dos pacientes, que atraía formigas e abelhas.
O que é diabetes?
O diabetes é uma doença metabólica caracterizada pela redução da secreção pelo pâncreas do hormônio insulina – responsável pelo aumento da permeabilidade da membrana celular à glicose – ou da diminuição da sensibilidade do organismo à ação da insulina. Em ambos os casos, a glicose é impedida de ser absorvida pelas células e ocorre um acúmulo de glicose no sangue (hiperglicemia). Esse excesso de glicose é eliminado pela urina. Para sair na urina, porém, necessita levar água consigo, fazendo a pessoa urinar bastante. Ao eliminar muita água pela urina, a pessoa se desidrata, tem sede e passa a beber mais água do que o normal. Outros sintomas são fraqueza, fadiga, perda de peso, maior suscetibilidade a infecções e visão turva.
Mas nem sempre o diabetes apresenta sintomas tão perceptíveis. “Metade dos pacientes que têm diabetes não sabe sequer que tem a doença. E como eles não sentem nada e acreditam que estão bem, não buscam o tratamento”, diz o professor Gil Salles. “É uma epidemia silenciosa”, alerta.
A glicose é a principal fonte de energia do organismo, mas, quando em excesso, pode trazer várias complicações à saúde. Uma vez diagnosticada a doença, o tratamento deve ser durante toda a vida do paciente. Quando não tratado adequadamente, o diabetes pode causar infarto, derrame cerebral, insuficiência renal, problemas visuais – mesmo a cegueira – e lesões de difícil cicatrização. Os tipos mais comuns são o diabetes tipo 1 e o tipo 2.
Diabetes tipo 1
Também conhecido como diabetes insulino-dependente, o diabetes tipo 1 ocorre quando o pâncreas produz pouca ou nenhuma insulina. É uma doença autoimune, caracterizada pela destruição das células beta produtoras de insulina. Isso acontece quando o organismo as identifica, por engano, como elementos estranhos.
O controle da doença envolve a reposição desse hormônio para regularizar o metabolismo do açúcar. “Como o corpo não produz insulina, deve ser reposta por aplicações diárias de injeção”, diz a endocrinologista Marília de Brito Gomes, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Hupe/Uerj).
Além do uso contínuo de insulina, os pacientes com diabetes tipo 1 recebem orientação para automonitorar as taxas de açúcar no sangue diariamente. “É recomendável realizar testes de glicemia capilar, por meio da coleta de sangue nas pontas dos dedos, uma ou mais vezes ao dia”, diz Marília, lembrando que esse tipo de diabetes ocorre com mais frequência em crianças e adultos jovens, apesar de poder atingir pessoas de qualquer faixa etária.
Coordenadora da pesquisa Fatores de risco para doença vascular em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 – que recebeu apoio da FAPERJ –, a professora está investigando as complicações vasculares geradas pela doença em pacientes do Hupe com diabetes tipo 1. “O diabetes é uma doença isquêmica que acomete os vasos do indivíduo. Há uma disfunção do endotélio, a camada celular que reveste a parte interna dos vasos sanguíneos, prejudicando o seu adequado funcionamento”, explica.
De acordo com Marília, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, a doença gera uma predisposição para a formação precoce da aterosclerose, ou seja, para o acúmulo progressivo de placas de gordura que vão entupindo os vasos sanguíneos, contribuindo para causar males, como o infarto e o acidente vascular cerebral. “É como se houvesse um envelhecimento precoce. Os vasos do paciente com diabetes são como de uma pessoa com 20 anos a mais do que ele realmente tem, mesmo que o tratamento esteja sendo realizado”, ressalta.
Diabetes tipo 2
No Diabetes mellitus tipo 2, as células beta do pâncreas aumentam a produção de insulina e, ao longo dos anos, acabam por levá-las à exaustão. Geralmente, há uma combinação da deficiência parcial da produção de insulina com uma resposta reduzida do corpo ao hormônio, o que é chamado de resistência insulínica. O organismo torna-se incapaz de metabolizar a glicose da corrente sanguínea para satisfazer as suas necessidades de nutrição. Enquanto as células “ficam com fome”, o açúcar vai se acumulando no sangue.
O tipo 2 é o tipo de diabetes mais comum. “De cada 10 pacientes com diabetes, uma média de nove têm diabetes tipo 2”, afirma Salles, acrescentando que existe uma grande relação entre diabetes tipo 2 e a obesidade e o sedentarismo. “Surge mais na idade adulta, principalmente em pessoas acima do peso.”
O excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) está presente em grande parte dos pacientes com diabetes tipo 2, o que aumenta a probabilidade de acometimento por doenças cardiovasculares. Um estudo multicêntrico nacional que aponta essa relação, coordenado por Marília, foi realizado no Hupe e em outros 13 centros distribuídos por todo o País.
A pesquisa avaliou dados clínicos e laboratoriais de 2.223 pacientes com diabetes tipo 2. “Constatamos que 75% da amostra estudada de pacientes não estavam na faixa de peso ideal, sendo que 33,3% eram obesos. A maioria não realizava o controle adequado e a investigação das complicações crônicas da doença”, diz Marília, assinalando que o estudo resultou na publicação de um artigo na renomada The Review of Diabetic Studies, em 2006. Diferente do tipo 1, a administração de insulina nem sempre é necessária. O paciente pode responder ao tratamento apenas com dieta e exercícios físicos. “Primeiro, são recomendadas medidas não farmacológicas, como reeducação alimentar e atividade física. É importante perder peso”, ressalta Gil Salles, lembrando que, dependendo do resultado, é necessário tomar medicamentos orais e, por fim, a combinação desses com a insulina.
Aliado à hipertensão, o diabetes é um grande fator de risco para o desenvolvimento da aterosclerose. Salles estuda os mecanismos de evolução da aterosclerose em pacientes com diabetes e hipertensão do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), no projeto Avaliação da espessura íntimo-média das carótidas por ultrassonografia como marcador de risco cardiovascular e de doença aterosclerótica subclínica em pacientes com hipertensão arterial resistente e em pacientes com Diabetes mellitus tipo 2.
O objetivo é investigar sinais de danos precoces nos vasos sanguíneos desses grupos de pacientes e os riscos de eles desenvolverem doenças cardiovasculares – haja vista que as principais causas de morte nos pacientes diabéticos são o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral. “A espessura das artérias carótidas é um potencial marcador da aterosclerose precoce em pacientes com diabetes”, diz o pesquisador, que participa do Programa de Hipertensão Arterial e de Diabetes tipo 2 do HUCFF.
Para Salles, a hipertensão arterial e o diabetes são “doenças quase irmãs”, que devem ser tratadas em conjunto. “É muito difícil ver um diabético que não seja também hipertenso. As chances de um paciente com diabetes tipo 2 desenvolver hipertensão são de pelo menos 75%. Em hipertensos, as chances de ter diabetes sobem para 20% a 30%”, diz. “As duas doenças dão complicações vasculares semelhantes. Se um paciente tem as duas, deve dobrar o controle”, assinala.
O pesquisador chama a atenção para aquelas pessoas que se encontram na chamada fase pré-diabetes tipo 2, ou seja, que já estão em processo de desenvolvimento da doença, mas que ainda não apresentam os sintomas. “O início da doença ocorre, em geral, de quatro a sete anos antes do diagnóstico”, diz Salles, destacando a importância da realização de exames de rotina, especialmente para as pessoas acima do peso.
A disfunção vascular inerente ao diabetes tipo 2 também é tema de estudo do doutor em Farmacologia Eduardo Tibiriçá, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No projeto Efeitos do tratamento crônico com ácido alfa-lipóico na rigidez arterial e na função endotelial da microcirculação em pacientes com diabetes mellitus tipo 2, ele vai testar os efeitos do tratamento da doença com ácido alfalipóico, ainda não observados em humanos.
“Alguns estudos demonstram que o ácido alfa-lipóico seria eficaz para reduzir a resistência insulínica”, diz o pesquisador, que trabalha nesse projeto em parceria com Marília. “A meta é investigar os efeitos do tratamento oral crônico com esse ácido na reatividade microvascular e na rigidez arterial em pacientes com diabetes tipo 2”, completa ele.
A Secretaria Estadual de Saúde vem organizando um grupo de trabalho para dar efetividade à Lei 3.885/2002, que define diretrizes para uma política de prevenção e atenção integral à saúde da pessoa com diabetes. Sob a coordenação da secretaria, o grupo deverá contar com representantes da DIVDANT (Divisão de Vigilância de Doenças e Agravos Não-transmissíveis), das secretarias municipais do Rio e Teresópolis, das universidades estaduais, do Conselho Estadual de Saúde, da Sociedade Médica de Diabetes e da Associação dos Diabéticos do Estado do Rio de Janeiro. Na primeira fase, o trabalho será dividido em grupos técnicos, contemplando as áreas de política de atenção e vigilância, atenção básica e farmacêutica, e ainda, de atenção especializada. O deputado Nilton Salomão, coautor da lei ao lado do então deputado e hoje governador do estado Sérgio Cabral, vê na iniciativa a oportunidade de o estado do Rio de Janeiro sair na frente nesse campo da saúde. “A lei que aprovamos inclui a destinação de recursos para as atividades científicas e de pesquisa”, informa.
É possível ter uma boa qualidade de vida, mesmo com diabetes. Praticar exercícios físicos regularmente é uma grande arma para o tratamento da doença, que reduz a necessidade de medicamentos orais e a dose de insulina a ser aplicada. “Os exercícios exercem um efeito direto na musculatura e nos tecidos em geral, aumentando a captação da glicose. Isso estimula a sensibilidade do corpo à insulina e evita a hiperglicemia”, explica o professor Antonio Cláudio Lucas da Nóbrega, do Laboratório de Ciências do Exercício da Universidade Federal Fluminense (UFF), atual Pró Reitor de Pós-graduação e Pesquisa da UFF.
As atividades físicas também atuam na prevenção da doença, especialmente para evitar o diabetes tipo 2. “Os exercícios diminuem a gordura corporal e a resistência insulínica, que estão associadas ao desenvolvimento do diabetes tipo 2”, diz Nóbrega. Ele avalia os impactos das atividades físicas em pacientes na fase pré-diabetes – aqueles aparentemente saudáveis, mas com grande risco de desenvolver o diabetes tipo 2 –, no projeto Mecanismos fisiológicos da adaptação na função autonômica e endotelial ao exercício físico em indivíduos sob risco de diabetes tipo 2.
O estudo – que rendeu um artigo na revista britânica Diabetic Medicine, em 2008, e outro na revista americana Diabetes Care, em 2009 – propõe a observação dos efeitos que a prática regular de exercícios físicos provoca no organismo, especialmente as adaptações fisiológicas que ocorrem no sistema nervoso autônomo e no sistema circulatório de pacientes com perfil pré-diabetes – mesmo os com histórico familiar da doença. “Entender os mecanismos que provocam essas alterações é fundamental para detectar precocemente a doença”, enfatiza o pesquisador. “O sistema nervoso autônomo controla as funções viscerais do organismo, como a pressão arterial e os batimentos cardíacos. As eventuais alterações fazem parte do início e da evolução das doenças cardiovasculares e cardiometabólicas”, explica Nóbrega. “Já a lesão do endotélio, camada interna que recobre os vasos sanguíneos, é o primeiro passo para o desenvolvimento da aterosclerose”, completa o professor, que monitorou mais de 200 pessoas antes, durante e após 12 semanas de treinamento físico.
Depois da realização de exames laboratoriais, os resultados das sessões regulares de exercícios aeróbicos e de força – com 50 minutos de duração, três vezes por semana – indicam que o fator genético não é determinante de distúrbios do sistema nervoso autônomo ou do endotélio. “Existia na literatura médica a sugestão de que ser parente de diabetes causava primariamente lesão endotelial e alterações do sistema nervoso autônomo. Mas percebemos que existia uma confusão. Os autores incluíam indivíduos com parentescos de diabetes, mas também sedentários e com sobrepeso”, diz o médico especialista em Medicina do Esporte e em Cardiologia.
A pesquisa é importante porque reforça a tese de que as alterações do endotélio e do sistema nervoso autônomo não são geneticamente programadas, mas sim consequência de um estilo de vida pouco saudável e das consequentes alterações metabólicas. “Ser parente de diabéticos, apenas, não provoca lesões do endotélio. Prevenir o desenvolvimento do diabetes tipo 2 evita as alterações metabólicas causadas pelo excesso de peso, como hiperinsulinemia e aumento do colesterol e, portanto, protege a função autonômica e endotelial.”
Ele ressalta a necessidade de se prevenir a doença. “Basta ser fisicamente ativo, incorporando exercícios no cotidiano, e manter o peso adequado com uma dieta equilibrada. Em outras palavras, a saúde vascular e do sistema nervoso autônomo depende de nossos hábitos e atitudes e não da nossa herança genética.”, conclui Nóbrega.
Fonte: Débora Motta, Rio Pesquisa