domingo, 5 de abril de 2015

Cobras perdem habitat e se tornam mais urbanas

Autor do “Atlas das serpentes do Brasil”, que detalha a distribuição geográfica das 380 espécies encontradas no país, o biólogo Cristiano Nogueira faz um alerta. Segundo ele, cujo trabalho de mais de quatro anos deve ser publicado oficialmente no ano que vem, as cobras perderam 80% de seu território nos últimos 30 anos por conta do avanço da urbanização e da agropecuária. Em dez anos, algumas delas podem até ser extintas. Outras se tornaram mais urbanas.

A diminuição da diversidade traz problemas práticos. Como os ofídios são os predadores naturais de ratos e sapos, o risco de desequilíbrio é grande. O ritmo das mudanças preocupa.

— As modificações acontecem de maneira acelerada. Em algumas áreas, algumas espécies tiveram seu habitat bastante reduzido em dez anos. Do ponto de vista biológico, é pouco tempo. Com o “Atlas”, estratégias de preservação podem ser elaboradas. Ele mostra onde estão as regiões prioritárias para conservação dos habitats — explica ele, que lidera uma equipe do Museu de Zoologia da USP.

Espécies como a jararaca Bothrops itapetiningae, que já ocupou um território que ia de São Paulo até Goiás; jararaca­ de­ Murici (Bothrops muriciensis), isolada nas matas da cidade alagoana e a jararacuçu­tapete (Bothrops pirajai), que vive na Bahia, correm real perigo, conforme mostra a edição de janeiro da revista “Pesquisa Fapesp”.

Nogueira explica que a região Sudeste, a mais povoada do Brasil, também é a área com maior incidência de espécies e linhagens. O contato entre as serpentes e a população traz outro problema: a perseguição humana.

Guarda­parques do Parque Estadual da Pedra Branca, na zona urbana do Rio, o biólogo Felipe Tubarão participa de uma equipe de resgate que atende chamados de moradores que se deparam com serpentes em seu jardins. Segundo ele, o desconhecimento faz com que muitas pessoas matem os animais.

— De fato, é um trabalho bem difícil. Exige uma conscientização enorme das pessoas. Muitas delas tendem a matar esses animais. E, na maioria das vezes, eles não são nem venenosos. Trabalhamos no plano imediato: quando esses animais são encontrados nas casas e quintais da pessoas. As ligações têm aumentado muito nos últimos tempos — explica Tubarão.

Para elaborar o “Atlas das serpentes do Brasil”, Nogueira contou com a ajuda de especialistas de diferentes partes do Brasil, que analizaram mais de 100 mil registros de coletas de espécies. Alguns dados foram coletados há mais de 250 anos. O desafio, segundo ele, foi refinar as informações.

— Foi uma tarefa difícil reunir esse conjuto. Tudo estava muito disperso. Algumas informações estavam incompletas e foi preciso corrigir alguns erros. Foi um trabalho meticuloso de análise dos dados brutos das coleções científicas. Sem a ajuda dos colaboradores, do Norte ao Sul do país, seria impossível.

Para ele, a divulgação dos mapas ajuda a chamar a atenção para o problema, que deve ser encarado com seriedade pelas autoridades.

— O poder público é um mosaico de interesses. Existem forças interessadas na preservação, e existem outras, antagônicas, que trabalham pela expansão da política agrícula. Com as informações nas nossas mãos, podemos reduzir os conflitos. Sem elas, a gente acaba fazendo um voo cego.

(O Globo)